sexta-feira, 6 de março de 2015

AS CIÊNCIAS DO ESPIRITO EM WILHELM DILTHEY E AS FIGURAÇÕES EM NORBERT ELIAS: RELAÇÕES E AFINIDADES POR UM CAMINHO METODOLÓGICO









José Tarcísio Grunennvaldt UFMT - Sinop jotagrun@uol.com.br

Irene Carrilho Romero Beber Unemat - Sinop icrbeber@yahoo.com.br


Resumo: A discussão sobre a necessidade de as ciências humanas terem um olhar peculiar sobre os fenômenos, ocorrida no final do século XIX, na Alemanha difundiu-se para outras partes do globo, e a contribuição desse enfoque metodológico suscitou-me a curiosidade a respeito das contribuições de Wilhelm Dilthey, na proposição de uma metodologia própria para o estudo das ciências humanas, e quais nexos de continuidade poderiam ser evidenciados nas formulações de Norbert Elias, acerca do caminho metodológico para a sociologia na contemporaneidade. Estabelecido o problema, o objetivo deste ensaio é identificar, por meio da comparação e aproximação, as propostas de método para o estudo e pesquisa no âmbito das ciências humanas presentes nos dois autores. Serão utilizadas algumas obras em que se percebem evidências de explicitação do método dos autores e em alguns comentadores.
Palavras-chave: caminho metodológico; estruturas; configurações.
Abstract: The discussion about the need for the human sciences has a specific look on the phenomena, Occurred in the end of XIX century, and the contribution of this methodological approach has generated my curiosity about the contributions of Wilhelm Dilthey, in the proposition of a methodology for the study of human science, and which kind of link of continuity could be evidenced in the formulations of Norbert Elias, about the methodological approach to sociology in contemporary society. After established the problem, the objective of this essay is to identify, through comparison and approximation, the proposed method for the study and research within the human science in the present two authors. Will be used in some works that consider themselves evidence of a clear explanation of the method of the authors and some commentators.
Keywords: methodological way; structures; settings.





1. INTRODUÇÃO
Este artigo pretende estabelecer relações entre o pensamento de Wilhelm Dilthey (1833 -1911) e Norbert Elias (1897-1990). Os dois pensadores, cada qual em seu tempo, propuseram-se a pensar sobre a necessidade de um caminho metodológico singular para a análise dos fenômenos sociais. Nesse sentido, observamos também as trilhas da crítica de Dilthey, cujos aspectos Elias recupera ou desenvolve no tocante à problemática da especificidade das ciências humanas.
Com efeito, ao olhar e analisar tal continuidade e, quiçá, a inauguração da singularidade das ciências do espírito, sob o ponto de vista da longa duração, percebe-se o quanto a obra de Dilthey foi um marco para diversos pensadores que, na sua trilha, puderam pensar a peculiaridade metodológica das ciências humanas. É necessário dar visibilidade ao lastro cultural no qual Dilthey estava imerso para propor o método, para perceber com quais correntes de pensamento estava dialogando, a fim de que tal proposição se configurasse como uma tentativa de ruptura metodológica1. Como herdeiro de um movimento que se levantou como reação crítica da teoria positivista do conhecimento, aceita nas ciências sociais datada de meados do século XIX, Dilthey fazia parte de uma corrente de pensadores que defendiam que o estudo da vida social de homens não deveria adotar os mesmos parâmetros das ciências naturais, pois inviabilizariam o que é, de fato, humano e singular no homem, ou seja, a sua individualidade.
Não dispomos, ainda, de informações que nos autorizem afirmar ter havido influência direta de Dilthey sobre Elias, mas sabe-se que ambos pensavam acerca da necessidade de uma metodologia peculiar para as ciências humanas. Elias, ao referir-se à fundamentação teórico-metodológica, deixou clara a sua posição sobre a importância de uma teoria dos processos sociais como um instrumental maleável, capaz de contribuir na tarefa de diagnosticar e explicar tendências de longo prazo não planejadas, o que, inevitavelmente, resultaria na indivisibilidade acadêmica entre sociologia e história. Na discussão que levantou, Elias defendia que tais tendências dos processos sociais, em se configurando, carregam as marcas das estruturas da sociedade e da estrutura da personalidade.
Será utilizado o instrumental da comparação entre o entendimento de Wilhelm Dilthey acerca do conceito de método para as ciências do espírito no final do século XIX, e o seu correspondente no pensamento de Norbert Elias, que viveu e produziu sua obra, na maior parte do século XX. Como instrumental operacional será utilizado o método da comparação intrageracional e intergeracional. A primeira estratégia metodológica usa a comparação como ferramenta, e será útil para apresentar o que, em uma visão panorâmica, pensavam os contemporâneos de Dilthey e os de Elias. A segunda, por sua vez, será proveitosa para capturar, pela comparação, as semelhanças e as dissonâncias no pensamento de ambos os autores. Para nos reportar ao uso que determinado pensador faz de um conceito é salutar visitar sua produção para destacar ali sua singularidade, o que é possível ser materializado, visitando sua produção, como fontes de informação de pesquisa. No entanto, deve-se destacar que, no âmbito da pesquisa comparativa, não basta olhar somente para o autor e sua produção; ir além, significa atentar para o seu entorno, ou seja, observar com quem ele estabelecia interlocução, quer para o diálogo propriamente dito, quer no sentido de realizar um esforço de compreensão dos conceitos que carregam um entendimento, mediados pela época de sua configuração.
Com o uso do instrumental comparativo entre as proposições de dois autores que defendem a peculiaridade metodológica para as ciências humanas, deve-se mostrar,



1 Usa-se o termo tentativa, como algo que não aconteceu por completo, no sentido de Santos (2008) quando detecta que a fronteira entre o estudo do ser humano e o estudo da natureza não deixa de ser prisioneira do reconhecimento da prioridade cognitiva das ciências naturais. Se, por um lado, se negam os condicionantes biológicos do comportamento humano, por outro, usam-se argumentos biológicos para demarcar a especificidade do ser humano. Eram tempos em que se reivindicava para as ciências humanas um estatuto metodológico próprio, era uma ciência mais marcada pela continuidade que a ruptura propriamente dita, mas já contendo os sinais dos componentes para transição para um outro paradigma.





sob o olhar da leveza, como Dilthey visualizava as estruturas que marcam cada vida. Ao seu lado, visualizar a mobilidade que Elias entendia como processo das figurações sociais, tendo em vista estarem tratando de fatos humanos que carregam as marcas de sua época, podendo, portanto, ser constantemente configurados pelos homens, no tempo que compreendem os fenômenos em função das intenções e dos sentidos, sem sofrer uma certa leitura teleológica progressista que marca algumas interpretações da História.





Não se pode estabelecer uma comparação compreensiva da sugestão de método para as ciências humanas de Dilthey e de Elias, sem antes fazer um apanhado de suas trajetórias intelectuais e observar o contexto cultural sob o qual se deu tal efervescência. Com efeito, torna-se pretensioso o nosso intento, quando se destacam duas trajetórias distantes uma da outra na linha do tempo. Mais pretensioso ainda se torna esse ensaio, quando se considera, como destaca Lacroix (2001), que as relações entre autor e o universo de sua criação se constituem uma caixa preta e a mera leitura de seus textos não dá conta de todos os seus segredos.
Com efeito, o reconhecimento tardio da obra de Elias evidencia, possivelmente, um sinal da incompreensão de seu trabalho, pois o autor, aos 87 anos, dá o testemunho de tido a sensação de que sua obra não havia sido inteiramente compreendida em sua época.
Quanto à obra de Dilthey, o maior percalço está em encontrar seus trabalhos em língua portuguesa e, quando se os encontram, são apenas textos de comentadores, ou estudiosos sobre a obra e vida do autor. A grandiosidade, originalidade e polêmica da discussão levantada por Dilthey, diante da necessidade de se inaugurar uma metodologia própria para as ciências do espírito - terminologia própria da Alemanha do final do século XIX - distinta das ciências da natureza daquele contexto, não lhe garantiu, contudo, a proporcionalidade em reconhecimento posterior, fosse no âmbito da academia ou na esfera da produção, publicação e divulgação de suas obras.
Amaral (1987) cita que, pouco antes de morrer, Dilthey teve duas de suas obras publicadas: A construção do mundo histórico nas ciências do espírito (1910) e Os tipos de concepções do mundo a sua formação nos sistemas metafísicos (1911) e a influência dessa última publicação fez com que o autor se projetasse mais sobre a literatura e arte, o que lhe reforçou a alcunha de “arguto historiador do espírito”. A autora destaca que tal adjetivação concorreu para que seu propósito sistemático- -filosófico deixasse de chamar muito a atenção dos contemporâneos.
Com sua morte, em 1911, iniciava-se uma correção da visão distorcida sobre o autor, quando vários de seus discípulos se empenharam proficuamente na organização de suas obras completas. Ele próprio confessava que seus limites consistiam em uma aversão às formulações prematuras, unilaterais, bem como às de brilho superficial. Enfim, ele encarava o trabalho relacionado à publicação de seus escritos com o mais completo descaso.
A partir da fundamentação histórica, sociológica, psicológica e filosófica, presente nas obras de Dilthey e de Norbert Elias, também é possível inferir que as contribuições teóricas nas quais se sustentam suas obras projetassem modos de pensar e propusessem alternativas metodológicas comuns para o estudo da sociedade que se constituía historicamente. Procurar rastrear o lastro de cultura em que os autores desenvolveram suas obras e com quem dialogavam é nossa estratégia, uma vez que nossa hipótese sugere que ambos possuem influências e referenciais comuns e, de algum modo, estreitaram relações com o historicismo.

A década de 1880 foi, para a Alemanha, pródiga em experiências, constituindo um período em que a industrialização tardia gerou rapidamente grandes concentrações de capital e, logo na sequência, um grupo de intelectuais começou a questionar sobre a função das instituições e das tradições num lugar em transformação.
Na esfera da educação, valores eram questionados, no ensino secundário escolas de “espírito realista” ou modernas contestavam o primado do antigo currículo clássico, de modo que ganhavam força os estudos técnicos e utilitários, inclusive no nível universitário. Nessa ambiência cultural da Alemanha, foram admitidos estudantes secundaristas, não clássicos, ao ensino superior e a introdução da educação escolar elementar comum na vigência do período de Weimar, levou a um acentuado número de matrículas nas universidades alemãs, e que se acelerou de modo muito perceptível no período dos anos de 1870 a 1920.
Por certo, tal tendência de “influxo das massas” não ficou imune ao olhar da maioria ortodoxa que era hegemônica e enfrentou esse desencadeamento com indisfarçável hostilidade. A ortodoxia intelectual alemã reagia com discursos que lamentavam o declínio da cultura, que trazia a ascensão da “civilização” de espírito mais árido. Esses “mandarins germânicos”,
Consideravam a sua uma época de “utilitarismo rasteiro, de “dissolução” social e de “decomposição” moral. Durante a República de Weimar, que abominavam, muitos deles pregavam uma “revolução espiritual” contra o novo regime e todos os aspectos da modernidade (RINGER, 2004, p. 29).
É importante destacar que, no âmbito da intelectualidade alemã, uma minoria criativa de acadêmicos partilhava das preocupações dos colegas ortodoxos; no entanto, reagiam de modo mais complexo e ponderado, evidenciando que tais homens se entendiam mais filhos amoldados à época que se configurava, do que propriamente da tradição ortodoxa de seus pais, até então em vigor. Weber era emblemático e partilhava dessa idéia, ao perceber que algumas poucas mudanças eram inevitáveis e nem a monarquia burocrática, tampouco a cultura oficial da era guilhermina seriam expressões perfeitas do espírito germânico.
Parece que a “mentalidade” da Belle Époque impunha aos corpos e às mentes dos intelectuais maior velocidade e, consequentemente, mais mobilidade e criatividade ao se estabelecer o diálogo entre a tradição e a inovação. O novo nessa intelectualidade estava na sua capacidade de amalgamar uma síntese resultante das contribuições duradouras da tradição que, ao longo das décadas de 1800, vivia sua idade heróica, a wissenschaft germânica, a qual, associada à busca da perfeição pessoal -Bildung - e a uma visão de mundo - Weltanschauung - representante do espírito do idealismo alemão. Esse vínculo se baseava no sistema filosófico de Hegel e sua atenção para a nova conjuntura repleta de novas exigências decorrentes da ordem mundial, as quais se impunham sem piedade.
Tratava-se de uma postura decididamente criativa, que exigia uma elucidação crítica dos compromissos fossem eles cognitivos ou normativos. Era um tempo de frenesi, movido pela ambivalência, um tempo em que até as posturas táticas e os pressupostos táticos deveriam ser convertidos em prescrições metodológicas mais explícitas, para que se pudesse fazer a “transposição seletiva” de toda uma tradição intelectual alemã para o novo contexto. O método era a consideração do movimento da própria História, de modo que tradição e inovação não eram percebidas como antíteses, mas como complementações, estabelecendo simplesmente uma relação de continuidade e descontinuidade.
Wilhelm Dilthey parece ser um dos acadêmicos alemães que inauguraram a reação contra o vínculo entre causalidade e determinismo que se deu com grande

intensidade entre o período de 1890 a 1930. Era um período que fora denominado pela intelectualidade alemã não adepta das ciências naturais de “crise da cultura”, antes da passagem do XIX para o XX e depois “crise da Wissenschaft”, ou do conhecimento.
A palavra “crise” apontava ao mesmo tempo para os perigos do “positivismo” e para o aparecimento de um novo “idealismo” em filosofia e humanidades. Por volta de 1920, a “filosofia da vida” (Lebensphilosophie), bem como a procura da “síntese” cognitiva e do pensamento intuitivo, levaram a um franco namoro com o irracionalismo, pelo menos em certos setores (RINGER, 2004, p. 36).
As razões do estreitamento das humanidades com o idealismo e seu limite tênue com o irracionalismo, por volta dos anos de 1920, podem ser associadas à ambiência conjuntural de pós-guerra, vivida pelo mundo naquela década. Durkheim e Weber já haviam lançado as bases de uma sociologia moderna, ao questionar as certezas racionalistas, quer de influência positivista ou marxista, do mesmo modo como a ascensão de regimes totalitários e as consequências deixadas pela Grande Guerra eram um sinal da necessidade de se repensar a concepção vitoriana de progresso que marcava a Era dos Impérios.


2.1. DILTHEY E O (RE)NASCIMENTO DAS DISCIPLINAS HUMANISTAS


Quando, no outono passado, Wilhelm Dilthey morreu - demasiado cedo, pois , apesar dos seus 79 anos, ele não era um homem idoso, tendo sido arrancado do seu trabalho mais fecundo - a ressonância desse fato nos jornais foi assustadoramente insignificante. Na verdade, só se manifestaram seus discípulos mais íntimos, um pequeno grupo de oito ou nove homens, que nos últimos vinte anos tinham trabalhado pessoalmente com ele, formando um verdadeiro centro de estudo ( NOHL, apud AMARAL, 1987, p. XIX).
Data de 1883, o esforço de Wilhelm Dilthey para codificar os conceitos e os métodos das disciplinas humanistas, de modo especial, em oposição aos das ciências naturais, com a obra publicada: Introdução às disciplinas humanistas (ou interpretativas). Para Dilthey, os seres humanos, entendidos como entidades psicofísicas ou biológicas, fazem parte da natureza e, certamente, profissionais das disciplinas interpretativas que trabalham com a mente e o espírito (Geist) humano, assim se expressam no mundo histórico. A diferenciação se expressava nas atitudes dos investigadores, no seu modo de encaminhar e realizar a pesquisa e de como traçar os objetivos das pesquisas. Mas não se pense que Dilthey fosse anticientífico; sua posição era de rejeição do empréstimo do método das ciências naturais para as ciências do espírito, quer em pesquisas contemporâneas quer em investigações históricas. Assim, as ciências culturais:
Não procuram regularidades ou “leis”, nem almejam o tipo de conhecimento que permite “dominar’ o ambiente. Sua atenção se volta para o único - e para a ação livremente escolhida. Embora os motivos humanos com certeza afetem os desfechos históricos, raciocina Dilthey, diferem em muito de outras causas de mudança. A ação humana só pode ser compreendida “de dentro”, em termos de intenções e crenças. O estudo da antropologia pode facilitar o trabalho interpretativo; mas as Gieinswissenschaften devem em última análise fundamentar-se numa “psicologia descritiva e analítica” que não dependa de leis psicofísicas nem de outras táticas reducionistas ou “explicativas” (RINGER, 2004, p. 36).

Sua contribuição metodológica foi se “configurando”, pois seu projeto, iniciado em 1883, seguido de um ensaio em 1894 sobre psicologia descritiva, só vai conseguir atingir sua forma final em 1907, em Construção do mundo histórico nas Geisteswissenschaften, sendo aperfeiçoada à medida que novos dados iam sendo incorporados. Defendia uma postura, quase clássica, para a abordagem interpretativa, baseado num eixo tríplice que comportava os seguintes níveis: a) experiência imediata (Erleben, Erlebnis); b) expressão (Ausdruck); c) compreensão interpretativa (Verstehen). Para ele, a percepção imediata exercia a primazia sobre as demais.
Dilthey insistia em que a experiência de vida de cada sujeito nada mais é de que um complexo de sensações de largo espectro, desde o início, até as lembranças, antecipações, percepções, intenções e ponderações. Essa experiência funciona como pré- requisito para quaisquer observações que se queira articular ou transformar em experiência organizada (Erfahrung) e concorre para compor integrando o quadro cognitivo de várias disciplinas. Foi esse sentido incorporado da experiência que cada sujeito protagoniza que marcou o pensamento de Dilthey, inspirando o que, posteriormente, veio a ser denominado de “filosofia da vida” (Lebensphilosophie) e marcou, em grande medida, as reflexões posteriores do autor. Ele acreditava que Nacherleben, a reprodução por empatia de uma experiência imediata, tinha um papel importante na gênese da compreensão interpretativa.
O Dilthey da maturidade - ainda que não tenha conseguido se desprender da postura subjetivista da compreensão por empatia -, conseguiu desenvolver uma abordagem mais complexa de Verstehen. Para reconstruir os significados humanos nas suas manifestações, adaptou livremente o termo hegeliano “objetificação”. Os artefatos, textos e as instituições de qualquer tipo podem ser considerados traços externalizados ou “objetificados” da “mente”, cabendo ao intérprete a reconstrução do mundo histórico com base em traços objetivamente dispostos.
Um dos interlocutores com os quais Dilthey dialogava para explicitar e afirmar seus pressupostos acerca de um olhar peculiar para as ciências humanas era Herbert Spencer. Para apresentar os pontos de contato entre ambos devemos, antes, reconhecer que Dilthey, ao atribuir caráter de centralidade em sua obra “à própria vida”, implica que esses termos dizem respeito à interação entre o eu e o meio, significando, primordialmente, a interação de impressão e movimento.
Com efeito, na sua construção histórica movida pelo movimento da própria história, antes de adotar o termo “estrutura” ele falava em “esquema antropológico”, e este conceito é o que distingue Dilthey de seus interlocutores que estavam articulados com a leitura de mundo que compara as formas elementares da estrutura psíquica humana com aquelas da natureza ou de reino animal, corrente que era quase que hegemônica na época. Dilthey, distintamente, afirmava que tal conceito de estrutura deveria emergir da própria vida, pois significava “a interconexão de sentimento - sensação - impulso - transformação entre movimento - satisfação” (RODI, 1989, p.119).
A psicologia lhe era muito cara, não raro ela e a biologia é que orientavam as discussões acadêmicas dos anos de 1880. A passagem que segue é provocativa, no sentido de perceber indícios de que, na utilização do conceito estrutura, ele tenha demonstrado sua preferência para relacionar o homem a um contexto geral, o que traduz sua preferência pelas ciências do espírito. O destaque é para uma aula sobre Imaginação poética e insanidade de 1886, sobretudo A poética, de 1887, quando a estrutura comparece.
Há uma estrutura da vida psíquica que é tão claramente reconhecível como aquela do corpo físico. A vida sempre consiste na interação de um corpo vivo com um mundo exterior que constitui o seu meio. Sensações, percepções e pensamentos têm origem no jogo constante de estímulos externos. Procedem também mudanças no estado afetivo à base de um sentimento geral. Os sentimentos evocam volições e conflitos de desejo e vontade. Volições resultam

em ações externas da vontade, entre elas as mais poderosas são aquelas que são contidas em estados corporais- tais como o impulso da autoconservação, a necessidade de alimento, o impulso da reprodução e o amor à prole. Quase tão poderosos são a necessidade de estima e os instintos sociais, que estão contidos na vontade. Outras volições produzem mudanças internas na consciência. A hierarquia do reino animal está baseada nessa estrutura. (DILTHEY, apud RODI, 1989, p. 119).
Estrutura significa, então, que um número de funções que constituem a interação entre o eu e o meio estão ligadas de tal modo, que sua coerência manifesta “uma intencionalidade imanente subjetiva do nexo psíquico estrutural que é dado na experiência interna” (RODI, 1989, p. 120).
Parece estar ali a maior dissonância de Dilthey com Spencer, na medida em que este fez “do princípio da diferenciação uma lei universal de evolução que devia governar tanto a natureza quanto o mundo histórico-social” ( RODI, 1989, p. 117). Por sua vez, Dilthey, no texto denominado Esboços de Breslau, Capítulo 6 - A articulação dos fatos da consciência, procurou estabelecer dois princípios básicos da filosofia, que queremos aqui entender como método de pensamento. O primeiro: “tudo que me é dado na experiência interna e externa apresenta-se somente lá para mim como nexo de fatos de minha consciência”. Em caso de esse princípio ser exclusivo de orientação epistemológica, correr-se-ia o risco de sermos conduzidos por um fenomenalismo que reduz a realidade à aparência para um sujeito puramente cognitivo, em cujas veias “não corre o sangue da verdade”. Para evitar o risco da mera representação de marca de fenomenalismo, propôs, então, o segundo princípio: “os fatos da consciência não podem ser reduzidos a algo como uma esfera de imagens para um mero sujeito observador, desligado de relações com o mundo exterior” (RODI, 1989, p. 118).
Pode-se observar como ele avança na representação externa do fenomenalismo na seguinte passagem:
Fatos da consciência são também - e acima de tudo - a experiência da dor, prazer, alegria, esperança, medo, satisfação, etc., a começar pela experiência mais elementar da resistência exercida por um mundo exterior sobre os movimentos do meu corpo (RODI, 1989, p.118).
A vivência (Erlebnis) é a categoria epistemológica fundamental, como oposta ao conceito de representação, e os fatos da consciência são dados da totalidade da vida psíquica, de modo que o mero apoio das ciências humanas deve ser substituído por uma autorreflexão psicológica e antropologicamente mais compreensiva. Dilthey alerta que não tem importância chamar esse tipo de autorreflexão de “filosofia da vida”, “antropologia do conhecimento”, ou “fenomenologia”; argumenta, contudo, em favor de não se tratar de psicologia no sentido restrito de psicologismo. Isso, enfim, seria para Dilthey a própria vida. Diante disso é possível afirmar-se que, para Dilthey, toda a verdadeira filosofia deve desembocar em uma pedagogia, ou, como o autor preferia dizer, uma “teoria da formação do homem” (AMARAL, 1987, p. XXVI).
Ele afirmava que nas ciências culturais não se lidava com objetos inanimados que tinham vida fora do sujeito ou com o mundo de fatos externos e cognoscíveis objetivamente. Desse modo, o objeto das ciências culturais refere-se aos produtos da mente humana em conexão com as outras mentes humanas, aí inclusa a subjetividade, as emoções e os valores.
Rejeitava do positivismo, também, a busca de regularidades ou leis, que refutavam seu uso e aplicação às ciências sociais. “A complexidade da vida social, a variedade de interações entre os indivíduos, as contínuas mudanças ao longo do tempo e as

diferenças culturais não permitem que os teóricos estabeleçam leis que se apliquem em todo o tempo e lugar” (SANTOS FILHO, 2002, p. 26).
2.2 NORBERT ELIAS E O MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO: QUANDO O CAMINHO É UMA FIGURAÇÃO
O reconhecimento tardio de Elias, para além das contingências aparentes das quais esse reconhecimento é o resultado, pode se interpretado também como um sinal de incompreensão. Há, enfim, o testemunho do autor: “Até hoje diz ele aos 87 anos, não tenho a sensação de haver sido compreendido inteiramente” (LACROIX, 1987, p. 3).
Gebara, em sua apresentação aos trabalhos de 7° Simpósio Internacional do Processo Civilizador, ao dialogar com a questão levantada, nos alertou. Perguntava ele: afinal de que teoria estamos falando? Elias depois de ter trabalhado com Manheim, no Departamento de Sociologia de Frankfurt, e tendo vivenciado a polêmica daquele Departamento com O Instituto de Investigação Social de Adorno e Horkheimer, pode ter sido uma referência para seu caminho de investigação metodológica. Para os marxistas, o trabalho é a referência basilar para a compreensão dos fenômenos históricos e sociais. Tal posição tem razoável aceitação pelos estudiosos da Escola de Frankfurt, principalmente, os iniciadores desse movimento. Elias, no entanto, relativiza tal caráter precípuo do trabalho como mediador das configurações, destacando outras relações atuantes no processo histórico, de modo que o ‘homem,’ na medida em que produz seus meios de subsistência, procura também seus meios de defesa.
Ao fazer a menção de que existe um caminho, mas que os caminhantes são diversos, quero destacar a relação de interdependência que os sujeitos estabelecem na relação entre si na configuração social. A análise de Norbert Elias destoa de uma visão imediatista que move o interesse sociológico do presente, em que os prazos são curtos e os problemas focam um determinado estado da sociedade. Uma investida de duração, que foca a análise na perspectiva do longo prazo das estruturas sociais, não precisa cegar as estruturas da personalidade.
Com efeito, evidenciar que os homens, além das relações de produção, possuem a necessidade de viver em cadeias de interdependências, por meio de laços que se articulam de diversas maneiras - de modo que nos perguntamos, por que uns praticam ou apreciam o esporte, por que outros gostam de cinema, outros vão à igreja e, ainda, por que fazem sexo - é uma prova de que os homens, além de serem parte integrante das relações de produção, possuem interesses e necessidades que atendem a intenções e gostos pessoais, de modo que cada sujeito atribui sentido a seu envolvimento na rede de relações sociais que configura.
Em tal sentido, o conceito de figuração ganha centralidade na obra de Elias, quando o método não deve obliterar a descoberta da própria pesquisa, tendo em vista que teoria, método e os dados empíricos formam uma tríade, sendo imbricados dialeticamente, desde o nascedouro da problemática da pesquisa até a consolidação de sua descoberta.
Essa peculiaridade, por certo, ele a deve ter herdado da ambiência na qual esteve imerso na década de 1920, em Heidelberg, quando era amigo e colaborador de Manheim, tendo sido, depois, seu assistente no Departamento de Sociologia de Frankfurt. Era uma época em que, embora vivesse a mesma ambiência cultural, o Instituto de Sociologia se afastava do mais conhecido Instituto de Investigação Social, a Escola de Frankfurt. Vale o destaque para realçar que, naquele tempo, e num local específico, ocorria

a emergência das sínteses de Elias sobre o desenvolvimento, numa conjuntura histórico- política, particular, e algo peculiar para a própria sociologia. Neste sentido, Dunning é elucidativo.
Alias, neste estádio crítico e frutuoso da sua carreira sociológica, aventurava-se numa questão específica a que os alemães dão o nome de methodenstreit - a “luta pelo método” - que foi a prática pela qual várias escolas se debateram, ao longo dos anos, no sentido de determinar que métodos “científicos” eram apropriados ao estudo dos seres humanos e das sociedades que estes formam, e que conceitos e métodos eram mais adequados para o efeito (DUNNING, 1992,
p. 20).
O rigor do método, ele o impunha a si próprio, tendo em vista não ter sido tragado por nenhuma daquelas mitologias que denominava de “ilusões ideológicas” o que faz dele um exemplo da vigilância em face da heteronomia de saberes, pois procurava combater todos os falsos saberes que sustentam a preservação das crenças sociais.
Norbert Elias fazia do distanciamento uma condição social do conhecimento científico e prolongava essa atestação por um dever de autodistanciamento. Ele convidava a fazê-lo para todo o objeto, mesmo que fosse ele esse objeto. Com isso ele formulava o programa de uma sociologia do conhecimento da qual a sociologia das obras é um aspecto (GARRIGOU E LACROIX, 2001, p. XVII).
Com tal postura, Elias evitava a apologia de autores ou de textos nas investigações que realizava. Seu rigor, por vezes, dava a impressão de violentar a obra e de minimizar o autor, mas era a posição de firmeza, ou, “parece ainda ser a melhor maneira de não trair nem a um nem a outro” (GARRIGOU E LACROIX, 2001, p. XVII).
A explicitação da adoção de método peculiar para a pesquisa nas ciências humanas está evidenciada com o tratamento dos dados que Elias usou em seu estudo, realizado com uma comunidade pequena como a de Winston Parva. Ali está a evidência plausível de que aquela comunidade foi emblemática para quebrar as generalizações sobre as relações entre grupos da classe trabalhadora. Assim, o estudo constitui um instrumental para a abordagem em sociologia de algumas questões da atualidade, como a violência, a discriminação e a exclusão social.
Sem dúvida, o avanço de Elias foi ampliar o entendimento da sociologia como ciência, ao suplantar a visão de que o uso de métodos estatísticos era suficiente para se obterem as respostas aos problemas sociológicos. Parece que ali reside sua originalidade em torno da defesa de um método sociológico, pois Elias queria saber se uma investigação mais sistemática poderia confirmar uma impressão que se tira sobre a relação entre as três zonas da comunidade; queria ainda saber se seria possível esclarecer melhor as razões dessa configuração, e partir para a criação de um modelo provisório para tal tipo de relação o qual pudesse servir de guia em outros estudos de fenômenos similares ou correlatos e passíveis de verificação.
Ao se partir do pressuposto de que o método pode ser entendido como a forma de compreender um determinado fenômeno de enxergar o mundo, pode-se perceber a ruptura de Elias com a sociologia clássica que predominava nas análises sociológicas, por volta das décadas de 1930 e 1940.
Nesse período em que predominava a percepção clássica de ciência, em que “o conceito de leis universais constitui uma tentativa para descobrir algo imutável e eterno para além de mudanças observáveis (...)”, as ciências humanas buscavam se adequar ao paradigma vigente, garantir seu status de cientificidade, tendo o homem como objeto de investigação, a partir dos mesmos parâmetros das ciências da natureza. O homem, como fenômeno de investigação, deveria ser estudado nas mesmas dimensões dos fenômenos da

natureza, a relação sujeito objeto era direta no sentido de que o objeto é algo que deve ser compreendido e desmistificado pelo sujeito da investigação em uma posição de total imparcialidade.
Isto pode ser percebido na crítica de Elias, na Introdução à Edição de 1968 de O Processo Civilizador, quando destaca que a imagem de indivíduo como Ser inteiramente livre, independente, uma personalidade fechada e inteiramente autos--suficiente e separada de todos os demais, vinha, de há muito tempo, permeando o desenvolvimento das sociedades européias. No fundo, é uma crítica ao entendimento corrente da relação entre indivíduo e sociedade e, como ele mesmo afirma, as idéias dos teóricos sociais constantemente mergulham em becos, aparentemente sem saída.
O indivíduo - ou, mais exatamente, aquilo a que se refere o atual conceito de indivíduo - reaparece uma vez após outra como algo que existe “fora” da sociedade. Aquilo a que se refere o conceito de sociedade volta repetidamente como algo que existe fora e além do indivíduo (... ) A fim de superar esse beco sem saída da sociologia e das ciências sociais em geral, é necessário deixar clara a inadequação de ambas as concepções, a de indivíduos fora da sociedade e, igualmente, a de uma sociedade fora de indivíduos (ELIAS, 1994:, p. 239).
Considera que a limitação a esse entendimento está em uma armadilha conceitual pela qual somos tolhidos por ideais estáticos de indivíduo e sociedade e que só poderá ser superada, a partir do momento em que forem mais desenvolvidas a partir de um conjunto de estudos empíricos, de modo que os dois conceitos sejam levados a se referirem a processos.
Outra evidência, na obra de Elias, do rompimento com o modelo de ciência dominante, pode ser percebida nas próprias palavras do autor: “(...) encontram-se ali nessa pequena comunidade de Winston Parva, como em miniatura, um tema humano universal.” (ELIAS, 2000, p.19). Nessa obra, Os estabelecidos e os outsiders, há, enquanto método, uma inversão da perspectiva dominante, o método dedutivo para uma perspectiva indutiva, em que o particular abriga o universal, um estudo de uma localidade abriga o universal. Em outra referência, mencionada na mesma obra, a metodologia de trabalho pode-se ler:
Estudar os aspectos de uma figuração universal no âmbito de uma pequena comunidade impõe à investigação alguns limites óbvios. Mas tem suas vantagens. O uso de uma pequena unidade social como foco de investigação de problemas igualmente incontáveis numa grande variedade de unidades sociais, maiores e mais diferenciadas, possibilita a exploração desses problemas com uma minúcia considerável (ELIAS, 2000, p. 20).
Essa perspectiva teórico-metodológica de produzir conhecimento era extremamente inovadora, confrontada com os princípios da sociologia clássica, um homem que fala e se permite interpretar os fenômenos sociais para além do contexto social mais aparente. Assim,
(... ) as inferências feitas unicamente a partir da análise estatística das entrevistas seriam de valor limitado, sem o conhecimento adquirido por meio de uma investigação sistemática, feita por um observador participante devidamente preparado. Eis um exemplo (ELIAS, 2000, p. 55).
Outra evidência de que Elias buscava superar a concepção corrente de pesquisa estava no entendimento que possuía acerca das estatísticas profissionais que poderiam ajudar a evidenciar os contornos da configuração de Winston Parva, mas cujo papel mais exato na relação das três zonas da cidade não poderia ser discernido apenas por meio de

inferências baseadas na análise estatística, e também pelo modo como um âmbito reduzido de análise pode contribuir para se aprender a compreender a ilusão de ótica, a que certos fenômenos são reduzidos.
Assim, faz-se o questionamento da imagem que os estabelecidos, os poderosos setores dirigentes de uma sociedade têm de si mesmos e transmitem aos outros, perguntando se ela se pauta na “minoria de melhores” que tende para a idealização. E, também, da imagem dos outsiders, do grupo relativamente pouco poderosos se comparados aos estabelecidos, tende ser modelada na “minoria dos piores”.
Sobre os modelos das figurações, dos padrões ou estruturas sociais Elias nos
ensina:
Tal como as hipóteses e teorias em geral, eles representam ampliações, progressos ou aperfeiçoamentos do reservatório de conhecimentos existentes, mas não podem ter a pretensão de ser um marco final absoluto na busca do saber, marco este que, tal como a pedra filosofal, não existe. Os modelos e os resultados das pesquisas de configurações fazem parte de um processo, de um campo crescente de investigação, à luz de cujo desenvolvimento estão, eles mesmos, sujeitos a revisões, críticas e aperfeiçoamentos, fruto de novas investigações (ELIAS, 2000, p. 57).
Elias nos ajuda a pensar que a análise sociológica tem suas bases no pressuposto de que todos os elementos de sua configuração apenas são o que são, em virtude de sua posição e função naquele contexto. Sendo assim, a análise e a separação dos elementos é uma mera etapa temporária numa operação de pesquisa, que requer complementação de outra, pela integração dos elementos, ao tempo em que esta requer a suplementação pela primeira: nesse movimento dialético entre análise e síntese não existe começo nem final.
Assim, acreditava que a sociedade não poderia ser pensada baseando-se em sínteses que partem do a priori. Seu esforço metodológico pretendia contribuir para o desenvolvimento de síntese mais adequada ao objeto, apoiada, concomitantemente, na teoria e na observação, olhando para um quadro de pessoas e das sociedades de modo que essas possam ser descritas como são e não como supostamente poderiam ser, segundo discursos previamente elaborados.
Ao se falar de uma metodologia específica para as ciências do espírito (humanas) não se poderia esperar que nossos autores nos propusessem algum método, a priori estabelecido, para a leitura e apreensão da realidade dos fenômenos do seu entorno. Ambos os autores, no diálogo com o seu tempo, propunham algo. Dilthey, em oposição às ciências naturais, entendia que as disciplinas humanistas, ao se debruçarem sobre os seres humanos como entidades psicofísicas, não deveriam procurar regularidades ou “leis”, nem procurar o conhecimento que ousasse dominar o ambiente. Sua atenção se volta para o único e para a ação livremente escolhida - a ação humana- portanto, só pode ser compreendida “de dentro”, em termos de intenções e crenças.
Para Dilthey, a Verstehen possibilita acessar as conexões mais íntimas do ser no mundo, o que distancia as humanidades das ciências naturais. Nesse sentido, a investigação no âmbito das ciências sociais não está interessada na busca das regularidades que são comuns nos fenômenos naturais, mas por individualidades, olhando culturas que são singulares e épocas que são definidas por sujeitos que as configuram, cada qual ao seu modo. Ele estava convicto de que a empatia constitui um dos elementos da interpretação, de modo que a Verstehen comporta em si “algo de irracional”.

Já em Norbert Elias, a preocupação consiste no estudo global dos seres humanos e não somente os aspectos particulares de suas vidas, como idéias, valores e normas e modos de produção ou instintos e sentimentos e a sua sublimação (GOUDSBLOM, apud DUNNING, 1992). Dessa forma, em sua perspectiva metodológica, Elias priorizava a síntese em relação à análise em busca de um esforço para evitar a compartimentalização das pessoas e das sociedades humanas, reduzindo--as às categorias do “econômico”, “político” e “social”. E diz:
(...)[é] - como se o “econômico” e o “político não fizessem parte, de algum modo, da “sociedade” - ou “biológico”, “psicológico” e “sociológico” - como se as pessoas pudessem existir sem corpos, como se os seus “espíritos” fossem de alguma maneira fenômenos não físicos ou biológicos, ou como se “as sociedades” pudessem existir, de certa forma independentemente e separadas do homem e da mulher individuais que as constituem( DUNNING, 1992, p. 21).
Dilthey inaugura e Elias parece corroborar as três características das Geisteswissenschaften: 1.a identificação do sujeito e do objeto (todos os dois pertencem ao universo cultural e histórico) ; 2. a unidade inseparável dos julgamentos de fato e valor; 3. a necessidade de compreender a significação vivenciada dos fatos sociais.
Enfim, sem querer dar terminalidade e temática do método da sociologia ou das ciências humanas o qual, deveras, é muito complexo e amplo, Dunning (1992) enfatiza que, para Elias, o conjunto único de propriedades emergentes da integração natural de nível humano-social, caracteriza-se por regularidades próprias que não podem ser explicadas de forma reducionista, em termos de métodos, conceitos e modelos que derivam do estudo de fenômenos dos níveis inorgânico e orgânico.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Maria Nazaré de Camargo Pacheco. Dilthey: um conceito de vida e uma pedagogia. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1987.
ELIAS, Norbert . O processo civilizador: Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2000.
GEBARA, Ademir. 7° Simpósio Internacional Processo Civilizador: história, civilização e educação (Apresentação). Piracicaba: Unimep, 2003.
LACROIX, Bernard. Retrato sociológico do autor. In. GARRIGOU, Alain; LACROIX, Bernard. Norbert Elias: a política e a história. São Paulo: Perspectiva, 2001.
RINGER, Fritz. A metodologia de Max Weber: unificação das ciências culturais e sociais. São Paulo: Edusp, 2004.
RODI, Frithjof.. O conceito de estrutura em Dilthey. Trad. Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral. Revista USP, junho, julho, agosto, 1989, p. 117-124.
SANTOS FILHO, José Camilo dos. Pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitativa: o desafio paradigmático. In. SANTOS FILHO, José Camilo dos; GAMBOA, Sílvio Sanchez.(Org) Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008.


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