José Tarcísio Grunennvaldt UFMT - Sinop jotagrun@uol.com.br
Irene Carrilho Romero Beber Unemat - Sinop icrbeber@yahoo.com.br
|
Resumo: A discussão sobre a necessidade de as ciências
humanas terem um olhar peculiar sobre os fenômenos, ocorrida no final do
século XIX, na Alemanha difundiu-se para outras partes do globo, e a
contribuição desse enfoque metodológico suscitou-me a curiosidade a respeito
das contribuições de Wilhelm Dilthey, na proposição de uma metodologia
própria para o estudo das ciências humanas, e quais nexos de continuidade
poderiam ser evidenciados nas formulações de Norbert Elias, acerca do caminho
metodológico para a sociologia na contemporaneidade. Estabelecido o problema,
o objetivo deste ensaio é identificar, por meio da comparação e aproximação,
as propostas de método para o estudo e pesquisa no âmbito das ciências
humanas presentes nos dois autores. Serão utilizadas algumas obras em que se
percebem evidências de explicitação do método dos autores e em alguns
comentadores.
Palavras-chave:
caminho metodológico; estruturas; configurações.
Abstract: The
discussion about the need for the human sciences has a specific look on the
phenomena, Occurred in the end of XIX century, and the contribution of this
methodological approach has generated my curiosity about the contributions of
Wilhelm Dilthey, in the proposition of a methodology for the study of human
science, and which kind of link of
continuity could be evidenced in the formulations of Norbert Elias, about the
methodological approach to sociology in contemporary society. After
established the problem, the objective of this essay is to identify, through
comparison and approximation, the proposed method for the study and research
within the human science in the present two authors. Will be used in some
works that consider themselves evidence of a clear explanation of the method
of the authors and some commentators.
Keywords: methodological way; structures; settings.
|
1. INTRODUÇÃO
Este artigo pretende estabelecer relações entre o
pensamento de Wilhelm Dilthey (1833 -1911) e Norbert Elias (1897-1990). Os
dois pensadores, cada qual em seu tempo, propuseram-se a pensar sobre a
necessidade de um caminho metodológico singular para a análise dos fenômenos
sociais. Nesse sentido, observamos também as trilhas da crítica de Dilthey, cujos aspectos Elias recupera ou desenvolve no
tocante à problemática da especificidade das ciências humanas.
Com efeito, ao olhar e
analisar tal continuidade e, quiçá, a inauguração da singularidade das
ciências do espírito, sob o ponto de vista da longa duração, percebe-se
o quanto a obra de Dilthey foi um marco para diversos pensadores
que, na sua trilha, puderam pensar a peculiaridade metodológica das ciências humanas. É
necessário dar visibilidade ao lastro cultural no qual Dilthey estava imerso
para propor o método, para perceber com quais correntes de pensamento estava dialogando, a fim de que tal proposição se configurasse
como uma tentativa de ruptura metodológica1. Como
herdeiro de um movimento que se levantou como reação crítica da teoria positivista do
conhecimento, aceita nas ciências sociais datada de meados do século XIX, Dilthey fazia parte de uma corrente de
pensadores que defendiam que o estudo da vida social de homens não deveria
adotar os mesmos parâmetros das ciências naturais, pois inviabilizariam o que é,
de fato, humano e singular no homem, ou seja, a sua individualidade.
Não dispomos, ainda, de
informações que nos autorizem afirmar ter havido influência direta de Dilthey sobre Elias, mas sabe-se que ambos pensavam acerca da
necessidade de uma metodologia peculiar para as ciências humanas. Elias, ao
referir-se à fundamentação teórico-metodológica, deixou clara a sua posição
sobre a importância de uma teoria dos processos sociais como um
instrumental maleável, capaz de contribuir na tarefa de diagnosticar e explicar
tendências de longo prazo não planejadas, o que, inevitavelmente, resultaria na indivisibilidade acadêmica entre
sociologia e história. Na discussão que levantou, Elias defendia que tais tendências dos processos
sociais, em se configurando, carregam as marcas das estruturas
da sociedade e da estrutura da personalidade.
Será utilizado o
instrumental da comparação entre o entendimento de Wilhelm Dilthey acerca do
conceito de método para as ciências do espírito no final do século XIX, e o seu
correspondente no pensamento de Norbert Elias, que viveu e produziu sua obra,
na maior parte do século XX. Como instrumental operacional será utilizado o
método da comparação intrageracional e intergeracional. A primeira estratégia metodológica
usa a comparação como ferramenta, e será útil
para apresentar o que, em uma visão panorâmica, pensavam os
contemporâneos de Dilthey e os de Elias. A segunda, por sua vez, será
proveitosa para capturar, pela comparação, as semelhanças e as dissonâncias no
pensamento de ambos os autores. Para nos reportar ao uso que determinado pensador faz de um
conceito é salutar visitar sua produção para destacar ali sua singularidade, o que é
possível ser materializado, visitando sua produção, como fontes de informação de pesquisa. No
entanto, deve-se destacar que, no âmbito da pesquisa comparativa, não basta
olhar somente para o autor e sua produção; ir além,
significa atentar para o seu entorno, ou seja, observar com quem
ele estabelecia interlocução, quer para o diálogo propriamente dito, quer no sentido de realizar um esforço de
compreensão dos conceitos que carregam um entendimento, mediados pela época
de sua configuração.
Com o uso do instrumental
comparativo entre as proposições de dois autores que defendem a peculiaridade metodológica para
as ciências humanas, deve-se mostrar,
|
1 Usa-se o termo tentativa, como algo que não
aconteceu por completo, no sentido de Santos (2008) quando detecta que a
fronteira entre o estudo do ser humano e o estudo da natureza não deixa de
ser prisioneira do reconhecimento da prioridade cognitiva das ciências
naturais. Se, por um lado, se negam os condicionantes biológicos do
comportamento humano, por outro, usam-se
argumentos biológicos para demarcar a
especificidade do ser humano. Eram tempos em
que se reivindicava para
as ciências humanas um estatuto metodológico próprio, era uma ciência mais
marcada pela continuidade que a ruptura propriamente dita, mas já contendo os
sinais dos componentes para transição para um outro paradigma.
|
sob o olhar da leveza, como Dilthey visualizava as
estruturas que marcam cada vida. Ao seu lado, visualizar a mobilidade que
Elias entendia como processo das figurações sociais, tendo em vista estarem
tratando de fatos humanos que carregam as marcas de sua época, podendo,
portanto, ser constantemente configurados pelos homens, no tempo que
compreendem os fenômenos em função das intenções e dos sentidos, sem sofrer
uma certa leitura teleológica progressista que marca algumas interpretações
da História.
Não se pode estabelecer
uma comparação compreensiva da sugestão de método para as ciências humanas de
Dilthey e de Elias, sem antes fazer um apanhado de suas trajetórias
intelectuais e observar o contexto cultural sob o qual se deu tal
efervescência. Com efeito, torna-se pretensioso o nosso intento, quando se
destacam duas trajetórias distantes uma da outra na linha do tempo. Mais
pretensioso ainda se torna esse ensaio, quando se considera, como destaca
Lacroix (2001), que as relações entre autor e o universo de sua criação se
constituem uma caixa preta e a mera leitura de seus textos não dá conta de
todos os seus segredos.
Com efeito, o
reconhecimento tardio da obra de Elias evidencia, possivelmente, um sinal da
incompreensão de seu trabalho, pois o autor, aos 87 anos, dá o testemunho de
tido a sensação de que sua obra não havia sido inteiramente compreendida em
sua época.
Quanto à obra de
Dilthey, o maior percalço está em encontrar seus trabalhos em língua
portuguesa e, quando se os encontram, são apenas textos de comentadores, ou
estudiosos sobre a obra e vida do autor. A grandiosidade, originalidade e
polêmica da discussão levantada por Dilthey, diante da necessidade de se
inaugurar uma metodologia própria para as ciências do espírito - terminologia
própria da Alemanha do final do século XIX - distinta das ciências da
natureza daquele contexto, não lhe garantiu, contudo, a proporcionalidade em
reconhecimento posterior, fosse no âmbito da academia ou na esfera da
produção, publicação e divulgação de suas obras.
Amaral (1987) cita
que, pouco antes de morrer, Dilthey teve duas de suas obras publicadas: A construção do mundo histórico nas ciências
do espírito (1910) e Os tipos de concepções do mundo a sua formação
nos sistemas metafísicos (1911) e a
influência dessa última publicação fez com que o autor se projetasse mais
sobre a literatura e arte, o que lhe reforçou a alcunha de “arguto
historiador do espírito”. A autora destaca que tal adjetivação concorreu para
que seu propósito sistemático- -filosófico deixasse de chamar muito a atenção
dos contemporâneos.
Com sua morte, em
1911, iniciava-se uma correção da visão distorcida sobre o autor, quando
vários de seus discípulos se empenharam proficuamente na organização de suas
obras completas. Ele próprio confessava que seus limites consistiam em uma
aversão às formulações prematuras, unilaterais, bem como às de brilho
superficial. Enfim, ele encarava o trabalho relacionado à publicação de seus
escritos com o mais completo descaso.
A partir da
fundamentação histórica, sociológica, psicológica e filosófica, presente nas
obras de Dilthey e de Norbert Elias, também é possível inferir que as
contribuições teóricas nas quais se sustentam suas obras projetassem modos de
pensar e propusessem alternativas metodológicas comuns para o estudo da
sociedade que se constituía historicamente. Procurar rastrear o lastro de
cultura em que os autores desenvolveram suas obras e com quem dialogavam é
nossa estratégia, uma vez que nossa hipótese sugere que ambos possuem
influências e referenciais comuns e, de algum modo, estreitaram relações com
o historicismo.
|
A década de 1880
foi, para a Alemanha, pródiga em experiências, constituindo um período em que
a industrialização tardia gerou rapidamente grandes concentrações de capital
e, logo na sequência, um grupo de intelectuais começou a questionar sobre a
função das instituições e das tradições num lugar em transformação.
Na esfera da
educação, valores eram questionados, no ensino secundário escolas de
“espírito realista” ou modernas contestavam o primado do antigo currículo
clássico, de modo que ganhavam força os estudos técnicos e utilitários,
inclusive no nível universitário. Nessa ambiência cultural da Alemanha, foram
admitidos estudantes secundaristas, não clássicos, ao ensino superior e a
introdução da educação escolar elementar comum na vigência do período de
Weimar, levou a um acentuado número de matrículas nas universidades alemãs, e
que se acelerou de modo muito perceptível no período dos anos de 1870 a 1920.
Por certo, tal tendência de “influxo das massas” não
ficou imune ao olhar da maioria ortodoxa que era hegemônica e enfrentou esse desencadeamento com
indisfarçável hostilidade. A ortodoxia intelectual alemã reagia com discursos
que lamentavam o declínio da cultura, que trazia a ascensão da “civilização”
de espírito mais árido. Esses “mandarins germânicos”,
Consideravam a sua uma época de “utilitarismo rasteiro, de “dissolução”
social e de “decomposição” moral. Durante a República de Weimar, que
abominavam, muitos deles pregavam uma “revolução espiritual” contra o novo
regime e todos os aspectos da modernidade (RINGER, 2004, p. 29).
É importante
destacar que, no âmbito da intelectualidade alemã, uma minoria criativa de
acadêmicos partilhava das preocupações dos colegas ortodoxos; no entanto,
reagiam de modo mais complexo e ponderado, evidenciando que tais homens se
entendiam mais filhos amoldados à época que se configurava, do que
propriamente da tradição ortodoxa de seus pais, até então em vigor. Weber era
emblemático e partilhava dessa idéia, ao perceber que algumas poucas mudanças
eram inevitáveis e nem a monarquia burocrática, tampouco a cultura oficial da
era guilhermina seriam expressões perfeitas do espírito germânico.
Parece que a
“mentalidade” da Belle Époque impunha aos corpos e às mentes dos intelectuais maior
velocidade e, consequentemente, mais mobilidade e criatividade ao se
estabelecer o diálogo entre a tradição e a inovação. O novo nessa
intelectualidade estava na sua capacidade de amalgamar uma síntese resultante
das contribuições duradouras da tradição que, ao longo das décadas de 1800,
vivia sua idade heróica, a wissenschaft germânica, a qual, associada à busca da perfeição
pessoal -Bildung - e a uma visão de mundo - Weltanschauung - representante do espírito do idealismo alemão. Esse vínculo se
baseava no sistema filosófico de Hegel e sua atenção para a nova conjuntura
repleta de novas exigências decorrentes da ordem mundial, as quais se
impunham sem piedade.
Tratava-se de uma
postura decididamente criativa, que exigia uma elucidação crítica dos
compromissos fossem eles cognitivos ou normativos. Era um tempo de frenesi,
movido pela ambivalência, um tempo em que até as posturas táticas e os
pressupostos táticos deveriam ser convertidos em prescrições metodológicas
mais explícitas, para que se pudesse fazer a “transposição seletiva” de toda
uma tradição intelectual alemã para o novo contexto. O método era a
consideração do movimento da própria História, de modo que tradição e
inovação não eram percebidas como antíteses, mas como complementações,
estabelecendo simplesmente uma relação de continuidade e descontinuidade.
Wilhelm Dilthey
parece ser um dos acadêmicos alemães que inauguraram a reação contra o
vínculo entre causalidade e determinismo que se deu com grande
|
intensidade entre o período de 1890 a 1930. Era um
período que fora denominado pela intelectualidade alemã não adepta das ciências
naturais de “crise da cultura”, antes da passagem do XIX para o XX e depois “crise da Wissenschaft”, ou do conhecimento.
A palavra “crise” apontava
ao mesmo tempo para os perigos do “positivismo” e para o aparecimento de um
novo “idealismo” em filosofia e humanidades. Por volta de 1920, a “filosofia
da vida” (Lebensphilosophie), bem como a procura da “síntese” cognitiva e do pensamento intuitivo,
levaram a um franco namoro com o irracionalismo, pelo menos em certos setores (RINGER,
2004, p. 36).
As razões do estreitamento das humanidades com o
idealismo e seu limite tênue com o irracionalismo,
por volta dos anos de 1920, podem ser associadas à ambiência conjuntural
de pós-guerra, vivida pelo mundo naquela década. Durkheim e Weber já haviam lançado as bases de uma sociologia moderna,
ao questionar as certezas racionalistas, quer de influência positivista ou
marxista, do mesmo modo como a ascensão de regimes totalitários e as
consequências deixadas pela Grande Guerra eram um sinal da necessidade de se
repensar a concepção vitoriana de progresso que marcava a Era dos Impérios.
2.1. DILTHEY E O (RE)NASCIMENTO DAS DISCIPLINAS
HUMANISTAS
Quando, no outono passado,
Wilhelm Dilthey morreu - demasiado cedo, pois , apesar dos seus 79 anos, ele não era um
homem idoso,
tendo sido arrancado do seu trabalho mais fecundo - a ressonância desse fato nos jornais foi assustadoramente
insignificante. Na verdade, só se manifestaram seus discípulos mais íntimos,
um pequeno grupo de oito ou nove homens, que nos
últimos vinte anos tinham trabalhado pessoalmente
com ele, formando um verdadeiro centro de estudo ( NOHL, apud AMARAL, 1987, p. XIX).
Data de 1883, o esforço de Wilhelm Dilthey para
codificar os conceitos e os métodos das disciplinas humanistas, de modo
especial, em oposição aos das ciências naturais, com a obra publicada: Introdução às disciplinas humanistas
(ou interpretativas). Para
Dilthey, os seres humanos, entendidos como entidades psicofísicas ou biológicas, fazem
parte da natureza e, certamente, profissionais das disciplinas
interpretativas que trabalham com a mente e o espírito (Geist) humano, assim
se expressam no mundo histórico. A diferenciação se expressava nas atitudes
dos investigadores, no seu modo de encaminhar e realizar a pesquisa
e de como traçar os objetivos das pesquisas. Mas não se pense que Dilthey fosse
anticientífico; sua posição era de rejeição do empréstimo do método das
ciências naturais para as ciências do espírito, quer em pesquisas contemporâneas quer em
investigações históricas. Assim, as ciências culturais:
Não procuram regularidades
ou “leis”, nem almejam o tipo de conhecimento que permite “dominar’ o ambiente. Sua atenção se
volta para o único - e para a ação
livremente escolhida. Embora os motivos humanos com certeza afetem os desfechos históricos, raciocina Dilthey, diferem em
muito de outras causas de mudança. A ação humana só pode ser compreendida “de dentro”, em termos
de intenções e crenças. O estudo da antropologia pode facilitar o trabalho
interpretativo; mas as Gieinswissenschaften devem em última análise fundamentar-se numa
“psicologia descritiva e analítica” que não dependa de leis psicofísicas nem de outras táticas
reducionistas ou “explicativas” (RINGER, 2004, p. 36).
|
Sua contribuição
metodológica foi se “configurando”, pois seu projeto, iniciado em 1883,
seguido de um ensaio em 1894 sobre psicologia descritiva, só vai conseguir
atingir sua forma final em 1907, em Construção do mundo histórico nas
Geisteswissenschaften, sendo aperfeiçoada à
medida que novos dados iam sendo incorporados. Defendia uma postura, quase
clássica, para a abordagem interpretativa, baseado num eixo tríplice que
comportava os seguintes níveis: a) experiência imediata (Erleben, Erlebnis); b) expressão (Ausdruck);
c) compreensão interpretativa (Verstehen). Para ele, a percepção imediata exercia a primazia sobre
as demais.
Dilthey insistia
em que a experiência de vida de cada sujeito nada mais é de que um complexo
de sensações de largo espectro, desde o início, até as lembranças,
antecipações, percepções, intenções e ponderações. Essa experiência funciona
como pré- requisito para quaisquer observações que se queira articular ou
transformar em experiência organizada (Erfahrung) e
concorre para compor integrando o quadro cognitivo de várias disciplinas. Foi
esse sentido incorporado da experiência que cada sujeito protagoniza que
marcou o pensamento de Dilthey, inspirando o que, posteriormente, veio a ser
denominado de “filosofia da vida” (Lebensphilosophie) e marcou, em grande medida, as reflexões posteriores do
autor. Ele acreditava que Nacherleben, a reprodução por empatia de uma experiência imediata,
tinha um papel importante na gênese da compreensão interpretativa.
O Dilthey da
maturidade - ainda que não tenha conseguido se desprender da postura
subjetivista da compreensão por empatia -, conseguiu desenvolver uma
abordagem mais complexa de Verstehen. Para reconstruir os significados humanos nas suas
manifestações, adaptou livremente o termo hegeliano “objetificação”. Os
artefatos, textos e as instituições de qualquer tipo podem ser considerados
traços externalizados ou “objetificados” da “mente”, cabendo ao intérprete a
reconstrução do mundo histórico com base em traços objetivamente dispostos.
Um dos interlocutores
com os quais Dilthey dialogava para explicitar e afirmar seus pressupostos
acerca de um olhar peculiar para as ciências humanas era Herbert Spencer.
Para apresentar os pontos de contato entre ambos devemos, antes, reconhecer
que Dilthey, ao atribuir caráter de centralidade em sua obra “à própria
vida”, implica que esses termos dizem respeito à interação entre o eu e o
meio, significando, primordialmente, a interação de impressão e movimento.
Com efeito, na sua
construção histórica movida pelo movimento da própria história, antes de
adotar o termo “estrutura” ele falava em “esquema antropológico”, e este
conceito é o que distingue Dilthey de seus interlocutores que estavam
articulados com a leitura de mundo que compara as formas elementares da estrutura
psíquica humana com aquelas da natureza ou de reino animal, corrente que era
quase que hegemônica na época. Dilthey, distintamente, afirmava que tal
conceito de estrutura deveria emergir da própria vida, pois significava “a
interconexão de sentimento - sensação - impulso - transformação entre
movimento - satisfação” (RODI, 1989, p.119).
A psicologia lhe
era muito cara, não raro ela e a biologia é que orientavam as discussões
acadêmicas dos anos de 1880. A passagem que segue é provocativa, no sentido
de perceber indícios de que, na utilização do conceito estrutura, ele tenha
demonstrado sua preferência para relacionar o homem a um contexto geral, o
que traduz sua preferência pelas ciências do espírito. O destaque é para uma
aula sobre Imaginação poética e
insanidade de 1886, sobretudo A poética, de
1887, quando a estrutura comparece.
Há uma estrutura da vida psíquica que é tão claramente
reconhecível como aquela do corpo físico. A vida sempre consiste na interação
de um corpo vivo com um mundo exterior que constitui o seu meio. Sensações,
percepções e pensamentos têm origem no jogo constante de estímulos externos.
Procedem também mudanças no estado afetivo à base de um sentimento geral. Os
sentimentos evocam volições e conflitos de desejo e vontade. Volições resultam
|
em ações externas
da vontade, entre elas as mais poderosas são aquelas que são contidas em estados corporais- tais como o impulso da
autoconservação, a necessidade de alimento, o impulso da reprodução e o amor
à prole. Quase tão poderosos são a necessidade de estima e os instintos sociais, que estão contidos na vontade. Outras
volições produzem mudanças internas na consciência. A hierarquia do reino
animal está baseada nessa estrutura. (DILTHEY, apud RODI, 1989, p. 119).
Estrutura
significa, então, que um número de funções que constituem a interação entre o
eu e o meio estão ligadas de tal modo, que sua coerência manifesta “uma
intencionalidade imanente subjetiva do nexo psíquico estrutural que é dado na
experiência interna” (RODI, 1989, p. 120).
Parece estar ali a maior dissonância de
Dilthey com Spencer, na medida em que este fez “do princípio da diferenciação
uma lei universal de evolução que devia governar tanto a natureza quanto o
mundo histórico-social” ( RODI, 1989, p. 117). Por sua vez, Dilthey, no texto denominado Esboços
de Breslau, Capítulo 6 - A articulação dos fatos da consciência, procurou estabelecer dois princípios básicos da filosofia, que queremos
aqui entender como método de pensamento. O primeiro: “tudo que me é dado na
experiência interna e externa apresenta-se somente lá para mim como nexo de fatos de minha
consciência”. Em caso de esse princípio ser exclusivo de orientação epistemológica,
correr-se-ia o risco de sermos conduzidos por um fenomenalismo que reduz a realidade à aparência para um
sujeito puramente cognitivo, em cujas veias “não corre o sangue da verdade”. Para
evitar o risco da mera representação de marca de fenomenalismo, propôs,
então, o segundo princípio: “os fatos da consciência não podem ser reduzidos
a algo como uma esfera de imagens para um mero sujeito observador, desligado de
relações com o mundo exterior” (RODI, 1989, p.
118).
Pode-se observar
como ele avança na representação externa do fenomenalismo na seguinte
passagem:
Fatos da consciência são
também - e acima de tudo - a experiência da dor, prazer, alegria, esperança, medo, satisfação, etc., a começar
pela experiência mais elementar da resistência exercida por um mundo exterior sobre os
movimentos do meu corpo (RODI, 1989, p.118).
A vivência (Erlebnis) é a
categoria epistemológica fundamental, como oposta ao conceito de
representação, e os fatos da consciência são dados da totalidade da vida psíquica, de modo
que o mero apoio das ciências humanas deve ser substituído
por uma autorreflexão psicológica e
antropologicamente mais compreensiva. Dilthey alerta que não tem importância
chamar esse tipo de autorreflexão de “filosofia da vida”,
“antropologia do conhecimento”, ou
“fenomenologia”; argumenta, contudo, em favor
de não se tratar de psicologia no sentido restrito
de psicologismo. Isso, enfim, seria para Dilthey a própria vida. Diante disso
é possível afirmar-se que, para Dilthey, toda a verdadeira filosofia deve
desembocar em uma pedagogia, ou, como o autor preferia dizer, uma “teoria da
formação do homem” (AMARAL, 1987, p. XXVI).
Ele afirmava que
nas ciências culturais não se lidava com objetos inanimados que tinham vida
fora do sujeito ou com o mundo de fatos externos e cognoscíveis
objetivamente. Desse modo, o objeto das ciências culturais refere-se aos
produtos da mente humana em conexão com as outras mentes humanas, aí inclusa
a subjetividade, as emoções e os
valores.
Rejeitava do positivismo, também,
a busca de regularidades ou leis, que refutavam seu
uso e aplicação às ciências sociais. “A complexidade da vida social, a
variedade de interações entre os indivíduos, as contínuas mudanças ao longo
do tempo e as
|
diferenças culturais não permitem que os teóricos
estabeleçam leis que se apliquem em todo o tempo e lugar” (SANTOS FILHO,
2002, p. 26).
|
2.2
NORBERT ELIAS E O MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO: QUANDO O CAMINHO É UMA FIGURAÇÃO
O reconhecimento
tardio de Elias, para além das contingências aparentes das quais esse
reconhecimento é o resultado, pode se interpretado também como um sinal de
incompreensão. Há, enfim, o testemunho do autor: “Até hoje diz ele aos 87
anos, não tenho a sensação de haver sido compreendido inteiramente” (LACROIX,
1987, p. 3).
Gebara, em sua
apresentação aos trabalhos de 7° Simpósio Internacional do Processo
Civilizador, ao dialogar com a questão levantada, nos alertou. Perguntava
ele: afinal de que teoria estamos falando? Elias depois de ter trabalhado com
Manheim, no Departamento de Sociologia de Frankfurt, e tendo vivenciado a
polêmica daquele Departamento com O Instituto de Investigação Social de
Adorno e Horkheimer, pode ter sido uma referência para seu caminho de
investigação metodológica. Para os marxistas, o trabalho é a referência
basilar para a compreensão dos fenômenos históricos e sociais. Tal posição
tem razoável aceitação pelos estudiosos da Escola de Frankfurt,
principalmente, os iniciadores desse movimento. Elias, no entanto, relativiza
tal caráter precípuo do trabalho como mediador das configurações, destacando
outras relações atuantes no processo histórico, de modo que o ‘homem,’ na
medida em que produz seus meios de subsistência, procura também seus meios de
defesa.
Ao fazer a menção
de que existe um caminho, mas que os caminhantes são diversos, quero destacar
a relação de interdependência que os sujeitos estabelecem na relação entre si
na configuração social. A análise de Norbert Elias destoa de uma visão
imediatista que move o interesse sociológico do presente, em que os prazos
são curtos e os problemas focam um determinado estado da sociedade. Uma
investida de duração, que foca a análise na perspectiva do longo prazo das
estruturas sociais, não precisa cegar as estruturas da personalidade.
Com efeito,
evidenciar que os homens, além das relações de produção, possuem a
necessidade de viver em cadeias de interdependências, por meio de laços que
se articulam de diversas maneiras - de modo que nos perguntamos, por que uns
praticam ou apreciam o esporte, por que outros gostam de cinema, outros vão à
igreja e, ainda, por que fazem sexo - é uma prova de que os homens, além de
serem parte integrante das relações de produção, possuem interesses e necessidades
que atendem a intenções e gostos pessoais, de modo que cada sujeito atribui
sentido a seu envolvimento na rede de relações sociais que configura.
Em tal sentido, o
conceito de figuração ganha centralidade na obra de Elias, quando o método
não deve obliterar a descoberta da própria pesquisa, tendo em vista que
teoria, método e os dados empíricos formam uma tríade, sendo imbricados dialeticamente,
desde o nascedouro da problemática da pesquisa até a consolidação de sua
descoberta.
Essa
peculiaridade, por certo, ele a deve ter herdado da ambiência na qual esteve
imerso na década de 1920, em Heidelberg, quando era amigo e colaborador de
Manheim, tendo sido, depois, seu assistente no Departamento de Sociologia de
Frankfurt. Era uma época em que, embora vivesse a mesma ambiência cultural, o
Instituto de Sociologia se afastava do mais conhecido Instituto de
Investigação Social, a Escola de Frankfurt. Vale o destaque para realçar que,
naquele tempo, e num local específico, ocorria
|
a emergência das sínteses de Elias sobre o
desenvolvimento, numa conjuntura histórico- política, particular, e algo
peculiar para a própria sociologia. Neste sentido, Dunning é elucidativo.
Alias, neste
estádio crítico e frutuoso da sua carreira sociológica, aventurava-se numa questão
específica a que os alemães dão o nome de methodenstreit - a “luta pelo método” - que foi a prática pela qual
várias escolas se debateram, ao longo dos anos, no sentido de determinar que
métodos “científicos” eram apropriados ao estudo dos seres humanos e das
sociedades que estes formam, e que conceitos e métodos eram mais adequados
para o efeito (DUNNING, 1992,
p. 20).
O rigor do método, ele o impunha a si próprio, tendo em
vista não ter sido tragado por nenhuma daquelas mitologias que denominava de
“ilusões ideológicas” o que faz dele um exemplo da vigilância em face da
heteronomia de saberes, pois procurava combater todos os falsos saberes que sustentam
a preservação das crenças sociais.
Norbert Elias fazia
do distanciamento uma condição social do conhecimento científico e prolongava
essa atestação por um dever de autodistanciamento. Ele convidava a fazê-lo
para todo o objeto, mesmo que fosse ele esse objeto. Com isso ele formulava o
programa de uma sociologia do conhecimento da qual a sociologia das obras é
um aspecto (GARRIGOU E LACROIX, 2001, p. XVII).
Com tal postura,
Elias evitava a apologia de autores ou de textos nas investigações que
realizava. Seu rigor, por vezes, dava a impressão de violentar a obra e de
minimizar o autor, mas era a posição de firmeza, ou, “parece ainda ser a
melhor maneira de não trair nem a um nem a outro” (GARRIGOU E
LACROIX, 2001, p. XVII).
A explicitação da
adoção de método peculiar para a pesquisa nas ciências humanas está
evidenciada com o tratamento dos dados que Elias usou em seu estudo,
realizado com uma comunidade pequena como a de Winston Parva. Ali está a
evidência plausível de que aquela comunidade foi emblemática para quebrar as
generalizações sobre as relações entre grupos da classe trabalhadora. Assim,
o estudo constitui um instrumental para a abordagem em sociologia de algumas
questões da atualidade, como a violência, a discriminação e a exclusão
social.
Sem dúvida, o
avanço de Elias foi ampliar o entendimento da sociologia como ciência, ao
suplantar a visão de que o uso de métodos estatísticos era suficiente para se
obterem as respostas aos problemas sociológicos. Parece que ali reside sua
originalidade em torno da defesa de um método sociológico, pois Elias queria
saber se uma investigação mais sistemática poderia confirmar uma impressão
que se tira sobre a relação entre as três zonas da comunidade; queria ainda
saber se seria possível esclarecer melhor as razões dessa configuração, e
partir para a criação de um modelo provisório para tal tipo de relação o qual
pudesse servir de guia em outros estudos de fenômenos similares ou correlatos
e passíveis de verificação.
Ao se partir do
pressuposto de que o método pode ser entendido como a forma de compreender um
determinado fenômeno de enxergar o mundo, pode-se perceber a ruptura de Elias
com a sociologia clássica que predominava nas análises sociológicas, por
volta das décadas de 1930 e 1940.
Nesse período em
que predominava a percepção clássica de ciência, em que “o conceito de leis
universais constitui uma tentativa para descobrir algo imutável e eterno para
além de mudanças observáveis (...)”, as ciências humanas buscavam se adequar
ao paradigma vigente, garantir seu status de
cientificidade, tendo o homem como objeto de investigação, a partir dos
mesmos parâmetros das ciências da natureza. O homem, como fenômeno de
investigação, deveria ser estudado nas mesmas dimensões dos fenômenos da
|
natureza, a relação sujeito objeto era direta no sentido
de que o objeto é algo que deve ser compreendido e desmistificado pelo
sujeito da investigação em uma posição de total imparcialidade.
Isto pode ser percebido na crítica de Elias, na
Introdução à Edição de 1968 de O
Processo Civilizador, quando destaca que a
imagem de indivíduo como Ser inteiramente livre, independente, uma
personalidade fechada e inteiramente autos--suficiente e separada de todos os
demais, vinha, de há muito tempo, permeando o desenvolvimento das sociedades
européias. No fundo, é uma crítica ao entendimento corrente da relação entre
indivíduo e sociedade e, como ele mesmo afirma, as idéias dos teóricos
sociais constantemente mergulham em becos, aparentemente sem saída.
O indivíduo - ou, mais exatamente, aquilo a que se refere
o atual conceito de indivíduo - reaparece uma vez após outra como algo que
existe “fora” da sociedade. Aquilo a que se refere o conceito de sociedade
volta repetidamente como algo que existe fora e além do indivíduo (... ) A
fim de superar esse beco sem saída da sociologia e das ciências sociais em
geral, é necessário deixar clara a inadequação de ambas as concepções, a de
indivíduos fora da sociedade e, igualmente, a de uma sociedade fora de
indivíduos (ELIAS, 1994:, p. 239).
Considera que a
limitação a esse entendimento está em uma armadilha conceitual pela qual
somos tolhidos por ideais estáticos de indivíduo e sociedade e que só poderá
ser superada, a partir do momento em que forem mais desenvolvidas a partir de
um conjunto de estudos empíricos, de modo que os dois conceitos sejam levados
a se referirem a processos.
Outra evidência, na obra de Elias, do rompimento com o
modelo de ciência dominante, pode ser percebida nas próprias palavras do
autor: “(...) encontram-se ali nessa pequena comunidade de Winston Parva,
como em miniatura, um tema humano universal.” (ELIAS, 2000, p.19). Nessa
obra, Os estabelecidos e os
outsiders, há, enquanto método, uma inversão
da perspectiva dominante, o método dedutivo para uma perspectiva indutiva, em
que o particular abriga o universal, um estudo de uma localidade abriga o
universal. Em outra referência, mencionada na mesma obra, a metodologia de
trabalho pode-se ler:
Estudar os aspectos de uma
figuração universal no âmbito de uma pequena comunidade impõe à investigação alguns
limites óbvios. Mas tem suas vantagens. O uso de uma pequena unidade social como foco de investigação de
problemas igualmente incontáveis numa grande variedade de unidades sociais, maiores e mais
diferenciadas, possibilita a exploração desses problemas com uma minúcia
considerável (ELIAS, 2000, p. 20).
Essa perspectiva teórico-metodológica de produzir
conhecimento era extremamente inovadora, confrontada com os princípios da sociologia clássica,
um homem que fala e se permite interpretar os fenômenos sociais
para além do contexto social mais aparente. Assim,
(... ) as
inferências feitas unicamente a partir da análise estatística das entrevistas
seriam de valor limitado, sem o conhecimento adquirido por meio de uma
investigação sistemática, feita por um observador participante devidamente
preparado. Eis um exemplo (ELIAS, 2000, p. 55).
Outra evidência de
que Elias buscava superar a concepção corrente de pesquisa estava no
entendimento que possuía acerca das estatísticas profissionais que poderiam
ajudar a evidenciar os contornos da configuração de Winston Parva, mas cujo
papel mais exato na relação das três zonas da cidade não poderia ser discernido
apenas por meio de
|
inferências baseadas na análise estatística, e também
pelo modo como um âmbito reduzido de análise pode contribuir para se aprender
a compreender a ilusão de ótica, a que certos fenômenos são reduzidos.
Assim, faz-se o
questionamento da imagem que os estabelecidos, os poderosos setores
dirigentes de uma sociedade têm de si mesmos e transmitem aos outros,
perguntando se ela se pauta na “minoria de melhores” que tende para a
idealização. E, também, da imagem dos outsiders, do grupo relativamente pouco
poderosos se comparados aos estabelecidos, tende ser modelada na “minoria dos
piores”.
Sobre os modelos das
figurações, dos padrões ou estruturas sociais Elias nos
ensina:
Tal como as hipóteses e teorias em
geral, eles representam ampliações, progressos ou aperfeiçoamentos do
reservatório de conhecimentos existentes,
mas não podem ter a pretensão de ser um marco final
absoluto na busca do saber, marco este que, tal como a pedra filosofal, não existe. Os modelos e os
resultados das pesquisas de configurações fazem parte de um processo, de um campo crescente de
investigação, à luz de cujo desenvolvimento estão,
eles mesmos,
sujeitos a revisões, críticas e
aperfeiçoamentos, fruto de novas investigações (ELIAS, 2000, p. 57).
Elias nos ajuda a
pensar que a análise sociológica tem suas bases no pressuposto de que todos
os elementos de sua configuração apenas são o que são, em virtude de sua
posição e função naquele contexto. Sendo assim, a análise e a separação dos
elementos é uma mera etapa temporária numa operação de pesquisa, que requer
complementação de outra, pela integração dos elementos, ao tempo em que esta
requer a suplementação pela primeira: nesse movimento dialético entre análise
e síntese não existe começo nem final.
Assim, acreditava que a sociedade não poderia ser pensada
baseando-se em sínteses que partem do a priori. Seu esforço metodológico pretendia contribuir para o
desenvolvimento de síntese mais adequada ao objeto,
apoiada, concomitantemente, na teoria e na
observação, olhando para um quadro de pessoas e das sociedades de modo que
essas possam ser descritas como são e não como supostamente poderiam
ser, segundo discursos previamente elaborados.
Ao se falar de uma metodologia específica para as ciências do
espírito (humanas) não se poderia esperar que nossos autores nos propusessem
algum método, a
priori estabelecido, para a leitura e apreensão
da realidade dos fenômenos do seu entorno. Ambos os autores, no diálogo com o seu tempo, propunham algo.
Dilthey, em oposição às ciências naturais, entendia que as disciplinas humanistas, ao se
debruçarem sobre os seres humanos como entidades psicofísicas, não deveriam procurar
regularidades ou “leis”, nem procurar o conhecimento que ousasse dominar o
ambiente. Sua atenção se volta para o único e para a ação livremente
escolhida - a ação humana- portanto, só pode ser compreendida “de dentro”, em
termos de intenções e crenças.
Para Dilthey, a Verstehen possibilita acessar as conexões mais íntimas do ser no mundo, o que distancia as
humanidades das ciências naturais. Nesse sentido, a investigação no âmbito
das ciências sociais não está interessada na busca das regularidades que são comuns nos fenômenos naturais, mas por
individualidades, olhando culturas que são singulares e épocas que são
definidas por sujeitos que as configuram, cada qual ao seu modo. Ele estava convicto de que a
empatia constitui um dos elementos da interpretação, de modo que a Verstehen
comporta em si “algo de irracional”.
|
Já em Norbert Elias, a preocupação consiste no estudo
global dos seres humanos e não somente os aspectos particulares de suas
vidas, como idéias, valores e normas e modos de produção ou instintos e
sentimentos e a sua sublimação (GOUDSBLOM, apud DUNNING, 1992). Dessa forma,
em sua perspectiva metodológica, Elias priorizava a síntese em relação à
análise em busca de um esforço para evitar a compartimentalização das pessoas
e das sociedades humanas, reduzindo--as às categorias do “econômico”,
“político” e “social”. E diz:
(...)[é] - como se
o “econômico” e o “político não fizessem parte, de algum modo, da “sociedade”
- ou “biológico”, “psicológico” e “sociológico” - como se as pessoas pudessem
existir sem corpos, como se os seus “espíritos” fossem de alguma maneira
fenômenos não físicos ou biológicos, ou como se “as sociedades” pudessem
existir, de certa forma independentemente e separadas do homem e da mulher
individuais que as constituem( DUNNING, 1992, p. 21).
Dilthey inaugura e
Elias parece corroborar as três características das Geisteswissenschaften: 1.a identificação do sujeito e do objeto (todos os dois
pertencem ao universo cultural e histórico) ; 2. a unidade inseparável dos
julgamentos de fato e valor; 3. a necessidade de compreender a significação
vivenciada dos fatos sociais.
Enfim, sem querer dar terminalidade e temática do método
da sociologia ou das ciências humanas o qual, deveras, é muito complexo e
amplo, Dunning (1992) enfatiza que, para Elias, o conjunto único de
propriedades emergentes da integração natural de nível humano-social,
caracteriza-se por regularidades próprias que não podem ser explicadas de
forma reducionista, em termos de métodos, conceitos e modelos que derivam do
estudo de fenômenos dos níveis inorgânico e orgânico.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Maria Nazaré de Camargo Pacheco. Dilthey: um conceito de vida e uma pedagogia. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1987.
ELIAS, Norbert . O processo civilizador: Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1994.
ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2000.
GEBARA, Ademir. 7° Simpósio
Internacional Processo Civilizador: história, civilização e educação
(Apresentação). Piracicaba: Unimep, 2003.
LACROIX, Bernard. Retrato sociológico do autor. In.
GARRIGOU, Alain; LACROIX, Bernard. Norbert
Elias: a política e a história. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
RINGER, Fritz. A
metodologia de Max Weber: unificação das
ciências culturais e sociais. São Paulo: Edusp, 2004.
RODI, Frithjof.. O conceito de estrutura em Dilthey.
Trad. Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral. Revista USP, junho,
julho, agosto, 1989, p. 117-124.
SANTOS FILHO, José Camilo dos. Pesquisa quantitativa
versus pesquisa qualitativa: o desafio paradigmático. In. SANTOS FILHO, José
Camilo dos; GAMBOA, Sílvio Sanchez.(Org) Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário