quarta-feira, 11 de março de 2015

VISÃO PEDAGÓGICA DO MOVIMENTO

Reiner Hildebrandt


A intenção deste artigo é determinar mais detalhadamente uma compreensão c concepção de movimento, ligada a uma visão didática da Educação Física aberta às experiências - cf. Grupo de Trabalho Pedagógico UFPE-UFSM, 1991; Hildebrandt 1990, 1991.

Segundo Buytendijk (1956), na teoria de movimento humano podem ser identificados dois paradigmas diferentes:

1.       O paradigma das ciências naturais
2.      O paradigma da reflexão fenomenológica do movimento.
1.       A visão científica natural do movimento - uma visão antipedagógica.

A reflexão científica natural do movimento define este como um deslocamento de um corpo físico no espaço e no tempo. Movimento é visto como um aspecto externo da sua execução, que é visível e que pode ser descrito analiticamente. O aspecto interno de movimento não é considerado, justamente porque este não pode ser pesquisado de forma empírico-analítica. Dentro deste paradigma, será diferenciada uma análise morfológica e biomecânica do movimento. Do ponto de vista de Meinel/Schnabel (1984), a análise morfológica tem um status pré-científico por causa da falta da objetividade da pesquisa de movimento. A perspectiva biomecânica solve o problema da falta de objetividade. Esta perspectiva faz esforços para conseguir uma descrição objetiva dos movimentos esportivos e para pesquisar tais movimentos empírica e analiticamente. Esta perspectiva está pesquisando, com a ajuda das teorias mecânicas da Física e dos conhecimentos sobre o sistema biológico do homem, particularidades de movimento e de sua otimização, conforme as predeterminações do sistema esportivo. Esta visão contém algumas implicações normativas, que gostaria de ressaltar:
1.     Esta visão de movimento tem um pré-conhecimento do que é o movimento "correto”. Este pré-conhecimento depende, de um lado, das predeterminações do esporte e, do outro lado, é produzido
pela própria teoria, que segue o objetivo preconizado da otimização do movimento (como, por exemplo, a minimização do tempo ou a maximização da distância), O modelo destes movimentos "corretos" é encontrado naqueles dos esportistas de alto nível,
2, A segunda implicação normativa consiste no seguinte fato: as ajudas para cada pessoa no processo de aprendizagem motora consistem na sua capacitação para chegar bem perto daqueles modelos de movimento legitimados biomecanicamente.
Aqui movimento é reduzido para a perspectiva científico- natural apreensível. A individualidade de cada um como pessoa não existe, O homem aparece, nesta perspectiva biomecânica, como corpo físico com articulações ideais, como sistema biológico, cujas condições e funções são determinadas por meio de regras fisiológicas. Também o mundo de movimento reduz-se ao mundo do espaço e dos aparelhos, que são objetivados fisicamente. Dentro deste paradigma a pergunta do significado do movimento como um significado configurado pelos homens não é discutida.
Queria colocar a seguinte pergunta:                                   Que relevância pedagógica tem esta maneira de observação do movimento para a promoção da vida do movimento das crianças? Esta pergunta parece- me mais importante quando é colocada sem a legitimação pedagógica de que as análises biomecânicas ou morfológicas ajudam a identificar erros na execução do movimento,
O que legitima o uso de uma análise biomecânica como norma a priori de uma correta execução de movimento?
Com quais argumentos pedagógicos legitima-se o uso de pesquisas empírico-analíticas?
Sabemos que esse paradigma tem conseqüências concretas para a configuração do ensino do movimento. Quem entende movimento como um comportamento pré-determinado e imposto, tem que construir situações como estímulos, que trazem seus alunos do estado de repouso para o movimento. Nesta posição, monólogos são preferidos por causa de seu possível controle. Um diálogo não é necessário, porque o professor, baseado no seu conhecimento biomecânico, dá a seus alunos o movimento ideal como objetivo. Baseado na comparação da situação atual do movimento com a situação em que deveria estar, esse professor dá instruções verbais definidas ou oferece uma programação de aprendizagem. Nós
conhecemos           as teorias        da sensomotricidade ou                   as            teorias da informática, que são os   fundamentos teóricos do                tipo         de ensino fundado no monólogo. A aprendizagem do movimento não é mais uma coisa do aluno, mas, sim, uma coisa do professor. O aluno está alheio ao seu movimento e, com isso, do seu corpo. Ele é um objeto no qual deve ser implantada uma forma estranha de movimento.
2.     A visão fenomenológica do movimento - uma visão pedagógica.

Uma      concepção      contrária é apresentada pelo                          paradigma
fenomenológico de movimento. O núcleo desta visão é que, quando nós, por exemplo, observamos crianças numa aula de Educação Física, não estamos observando movimentos, mas, sim, seres humanos se movimentando. Nós não podemos observar um salto, mas, sim, pessoas saltando. Estamos diante de um sujeito, que se movimenta, e um mundo (uma situação), com o qual este movimento está relacionado.        Gordijn, um pedagogo holandês,         compreende o movimento humano como uma metáfora. Ele diz: "O movimento humano é um diálogo entre homem e mundo" (Cit. por TAMBOER, 1979, p.14). Com isso, Gordijn quer dizer: cada homem conversa com seu mundo, mas neste caso a língua é seu movimento. O homem coloca, enquanto se movimenta, perguntas de movimento para seu mundo e recebe respostas de movimento. Mundo não é somente o meio-ambiente (no sentido físico), mas são também os outros homens. O homem entra em contato com as coisas ou com os homens pelo movimento. Um exemplo: uma criança está num balanço, Gordijn faiaria agora: o balanço estava falando para a criança: "O que tu estás fazendo?" A criança responde pelo seu movimento. A partir disso, o balanço balança para frente e responde desta maneira: "Estou te amortecendo". A criança diz: "Estou seguindo", e novamente ela flexiona seu corpo para frente. Assim resulta de uma pergunta de movimento um diálogo permanente, um diálogo no movimento entre a criança e o aparelho, que leva finalmente a um balançar constante ou a uma interrupção do balançar, quando a criança não consegue balançar constantemente. Neste caso, muitas vezes o balanço recebe um pontapé e a criança diz: "Balanço estúpido".
De maneira semelhante, também podemos imaginar que uma criança brinca com seu pai. Ela corre contra o pai, talvez ele recue em alguns de seus movimentos, tornando-se, assim, para a criança um companheiro para balançar ou subir. Assim resulta também um tipo de diálogo de movimento e nós podemos ver que as duas pessoas do

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PEDAGOGIA DO MOVIMENTO: DIFERENTES CONCEPÇÕES
diálogo estão configurando o movimento. Portanto, o movimento não é compreendido uni lateral mente nem como do homem e nem do mundo, mas, sim, do relacionamento entre eles. Com isso Gordijn quer expressar que ele não aceita uma superação das instâncias diferentes dentro do acontecimento, por exemplo, uma separação do corpo e do espírito, da motriz e da intenção. A intenção, o sentido, que a gente pré-configura em relação à avaliação do resultado final, não pode e não deve ser separado do que acontece nas modificações da posição do corpo pelo movimento. Movimentar-se sempre está cheio de intenção, sempre é um homem que se movimenta. Este movimento tem um resultado individual e especial. Dentro do diálogo, dentro deste jogo da pergunta c da resposta, o homem identifica significados motrizes das coisas e dos outros homens. Ele projeta os significados na pergunta: O que poderia ser isso? E ele recebe o significado na resposta e no processo global do diálogo.
Movimentar-se é só uma forma da interação do homem com seu mundo peio qual ele recebe os significados. Gordijn coloca mais duas outras formas: pensar e falar. Por exemplo: é possível observar uma piscina e pensar sobre ela, também é possível falar algo sobre uma piscina e pensar sobre ela. Também é possível falar algo sobre uma piscina. Mas também é possível jogar-se na água. Por isso, o homem vive em diferentes mundos de significados, que são cada vez determinados pelo acesso que ele pode escolher. Por isso, o ambiente tem para os homens significados diferentes, assim como o significado de movimento. Isso a gente pode identificar muito bem no dia-a-dia. Uma cadeira, por exemplo, tem para uma pessoa, que estava andando durante muito tempo, o significado de um banco de descanso. Para uma criança a cadeira tem talvez o significado de um aparelho para subir, talvez com a intenção de abrir a porta., Uma pedra pode ter o significado de um objeto para ser carregado. Mas quando eu lanço a pedra, identifico o significado de movimento deste objeto.
O mundo não só pode ser identificado pelo pensar, mas também pelo movimentar. Movimento é um meio de conhecimento e, com isso, a gente identifica o significado de movimento.
De igual forma, como o paradigma científico-natural tem sua conseqüência na configuração do ensino, o paradigma fenomenológico tem também aqui suas conseqüências. Como o exemplo do balanço mostrava, a condição para a experiência do meu movimento como exato, como certo, é um jogo dialético conjunto
entre forças estimuladas e forças ativadas. Estas forças determinam as   possibilidades e os limites da ação correta. A forma especial de movimento configura-se somente no processo dialógico com as coisas do mundo. Nunca a forma já está presente, mas resulta do processo deste diálogo. E no processo da aprendizagem, isto é, no desenvolvimento de uma forma adequada, desenvolve-se um sentido para uma execução de movimento correto ou errado. Acho que nós, como professores de Educação Física, temos a tarefa de tomar nossos estudantes e nossos alunos responsáveis pela procura de informações, que só podem ser encontradas pela experimentação. Eles devem buscar características de movimento que são determinadas pelas sensações. Com base na teoria da aprendizagem motora, que se fundamenta na teoria da Gestalt ou na teoria da percepção, sabemos que ninguém pode tirar dos aprendizes a procura deste tipo de informações. Exatamente aqui encontra-se a fundamentação teórica do movimento para uma aula aberta às experiência de Educação Física. Estas teorias não se orientam na configuração de processos de ensino- aprendizagem baseados numa estrutura técnica objetiva de movimento, mas consideram a estrutura subjetiva de ação e a relação de troca entre os seres humanos e o meio ambiente. Eu chamo isto concepção "global" ou "total", porque relaciona o homem com o mundo e vice-versa. Isso é um fundamento característico da existência humana, que Merleau-Ponty chama "estar para o mundo" (1978) . Também encontramos esta relação indissolúvel no modelo circular da Gestalt (comp. v. Weizsacker, 1966). Aqui, perceber e movimentar é uma unidade, Na teoria de movimento de Meinel/Schnabel (1984) existe uma separação dos aspectos sensitivos (dos analisadores) e motores (os centros motrizes effectores). Segundo Meinel/Schnabel, os dois estão num contexto casual.
Em contraposição a isso, a teoria da Gestalt não fala em contexto causal do sistema sensitivo e do sistema motor, mas de uma coincidência. Coincidência significa - e isso é o que caracteriza a Gestalt - que o perceber acontece ao mesmo tempo em que ocorre o movimentar e vice-versa. O perceber influencia o movimentar e vice- versa.
Esta unidade de movimentar e perceber corresponde, no processo de treinamento, ao contexto significativo do "sentir” e "conseguir". Na combinação do sentir e conseguir será evidenciada a relação do contexto interno com o externo, do sujeito do movimento

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nas suas percepções e da situação de movimento na sua própria ação de movimento. O problema de aprendizagem motora consiste em aprender a sentir-se crescente mente na execução de movimento, de forma mais diferenciada e, em relação à situação, em iniciar o processo de movimentação de modo que o excesso e a falta de energia possam ser equilibrados passo a passo.
3.     Princípios pedagógicos de ensino.
Finalmente, gostaria de explicar alguns princípios de ensino, formulados mediante estas reflexões teóricas.
1.                   Um pressuposto fundamental para uma, aprendizagem motora que considera esta ligação do homem e mundo como dialógica é a possibilidade da configuração motriz autônoma e livre de normas pré-determinadas. Importantes no ensino são períodos de procura autônoma do aluno. É preciso dar uma abertura ao processo do ensino e aprendizagem. A exploração do problema resulta da experiência; o professor tem o conhecimento das soluções e fundamentações encontradas pelos alunos.
2.                   Um segundo princípio é o da totalidade. Isto significa oferecer aos alunos os movimentos, que eles possam realizar como uma totalidade desde o início.
3.                   Usar metáforas na informação verbal. Da aprendizagem motora sabemos que na fase do desenvolvimento da coordenação fina e da disponibilidade variável informações verbais não têm sucesso.
4.                   Configurar situações diferentes, que são direcionadas para percepções diferentes. A teoria da Gestalt chama este princípio de diferenciação "Centralização de atenção" ou "centralização da percepção". Muito importante aqui é que cada centralização deve acontecer em relação com a coisa e nunca com o corpo. O direcionamento da atenção para os parâmetros da execução corporal do movimento prejudica a evidência da percepção e, com isso, o processo de aprendizagem motor,
Estes princípios devem ser considerados peio professor da Educação Física, uma vez que o processo de aprendizagem motora se apresenta como um processo subjetivo, humano, aberto para as experiências individuais, pois                           sempre                                vemos homens                       se
movimentando, nunca formas de movimento.

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Referências bibliográficas
BUYTENDIJK, F.J.J. Allgemeine Theorie der menschlichen Haltung und Bewegung. Berlin. Gottingen, Heidelberg, 1956.
GRUPO DE TRABALI-IO PEDAGÓGICO - UFPE-UFSM: Visão didática da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1991.
HILDEBRANDT, R. A configuração pedagógica do movimento esportivo no ensino da Educação Física. Revista Educação Física/UEM, 1990, vol. l,p.36-39.
HILDEBRANDT, R. O conteúdo esportivo na educação física escolar. Revista Educação FísicalGEM, 1991, voi. 2, p. 10-13.
MEINEL/SCHNABEL. Motricidade I. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Barcelona: Península, 1978.
TAMBOER, J, Sicli-Bewegen - ein Dialog zwischen Mensch und Welt. Sportpädagogik 3 (1979), 2, 14-19.
WEIZSÄCKER, V.v. Die Gestatttheorie. Berlin, 1966.

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