Motriz, Rio
Claro, v.H n.2 p.113-120, mai./ago. 2005
Praxiologia
Motriz: construção de um novo olhar dos jogos e esportes na escola
João Francisco
Magno Ribas Departamento de Desportos Coletivos - Universidade Federal de Santa
Maria RS
Resumo: A
Praxiologia Motriz, idealizada pelo professor francês Pierre Parlebas no final
da década de 60, aos poucos vem mostrando novas e relevantes reflexões para a
Educação Física. No presente artigo, trato de apresentar pontos relativos à
Praxiologia que poderão contribuir para o ensino dos jogos e esportes na
Educação Física Escolar. Assim, divido o texto da seguinte forma: Melhor
compreensão do que se está ensinando; ensino com mais consistência e sentido;
transferência de estruturas e lógicas de atividades; organização e seleção de
conteúdos. Na última parte do texto apresento uma síntese do que realizei no
estudo de doutoramento.
Palavras-chave:
Praxiologia motriz. Aprendizado. Educação. Ensino.
Motor
praxiology: the construction of a new looking about games and scholastics
sports
Abstract: The
Motor Praxiology, idealized for French teacher Pierre Parlebas in the end of
60's, bit by bit is showing new and relevant reflections for the Physical
Education. In the present article, I present points related to Praxiology,
which might contribute to the teaching of games and sports in Scholastic
Physical Education. Thus, I divide the paper in the following form: Better
comprehension from what it is teaching; teaching with more consistency and
meaning; transference of structures and logics of activities; organization and
selection of contents. In the last part of the text, I present a synthesis
about my doctorate work.
Key Words: Motor
Praxiology. Learning. Education. Teaching.
Introdução
A Praxiologia
Motriz se constitui em um recente e relevante conhecimento acerca dos jogos e
esportes. O ponto de partida da teoria da ação motriz consiste em estudar e
entender a essência dos jogos e esportes, independentemente de seus atores ou
contexto. É como o conhecimento das notas musicais que norteia e dá rumo ao
ensino da música.
Mas aprender as
notas musicais é o suficiente para formar um bom músico ou um licenciado em
música? Claro que não - e por isso se faz necessário o estabelecimento de uma
meta, contexto, projeto, enfim, um sentido para tudo. Já antecipo estas
questões ao leitor para que entenda que o conhecimento praxiológico não tem a
intenção de substituir, concorrer e tampouco se constitui em uma nova abordagem
metodológica da Educação Física. Porém, se constitui em um importante e, no meu
entender, fundamental, olhar dos jogos e esportes.
Assim, parto do
princípio de que a teoria da ação motriz consiste em um instrumento de
compreensão do mundo dos jogos e esportes, essencialmente do estudo e
compreensão da lógica interna. Como se utilizássemos uma objetiva mais precisa
em uma câmera fotográfica. Obviamente que cada câmera tem a sua especialidade e
peculiaridade. Uma lente mais precisa para um determinado e específico tipo de
foto dará melhores formas, cores e precisão à fotografia. Assim, uma de minhas
hipóteses é que, com pequenos ajustes e adequações, o conhecimento praxiológico
poderá complementar qualquer uma das abordagens que temos atualmente em nossa
área, fazendo com que o profissional aproxime ainda mais seus propósitos
pedagógicos à prática.
Pierre Parlebas
comentou em uma palestra no V Seminário Internacional de Praxiologia Motriz,
que aconteceu de 29 e 30 de outubro de 2001 em A Coruna, que este conhecimento
busca 'desvelar o mundo dos jogos, esportes e outras práticas motrizes a partir
do estudo da lógica interna dessas atividades '. Essa disciplina, que também
propõe uma nova terminologia, trabalha com a criação de instrumentos e métodos
para conhecer o mundo das atividades físicas, desde a lógica interna, mas em
consonância e compreendendo o sentido com base na lógica externa. Buscando
aclarar algumas relações entre Educação Física Escolar e Praxiologia Motriz,
serão apresentadas definições e reflexões que justificam a necessidade de
estudos que relacionem ambos os temas.
O primeiro ponto
a ser destacado é que a Praxiologia Motriz define um objeto próprio da Educação
Física escolar, no caso, a conduta motriz. Parlebas (1996) propõe esta
terminologia, com o intuito de delimitar a área de atuação no contexto escolar,
de forma que nenhuma outra área possa disputar-lhe e tampouco definir seus
rumos e objetivos. A definição de conduta motriz não está reduzida ao conjunto
de manifestações ou fatos observáveis. O autor entende a conduta motriz como
sendo uma organização do comportamento motor, mas com significados.
Quando
assistimos a uma partida de futebol, não estamos vendo somente vinte jogadores
tentando fazer gol e defendendo o seu território e dois goleiros evitando que o
adversário faça o gol. Existe um sentido para tudo isso, um significado,
intenção, filosofia de jogo, um motivo para a competição, história dos
jogadores, enfim, uma série de fatos que dão significados a essas ações.
Dependendo do jogo, do adversário, do tempo, da relevância da competição, do
salário, de satisfação pessoal, é que será possível determinar o grau de
envolvimento e participação na partida. As ações de jogo carregadas de
significados são entendidas por Parlebas como condutas motrizes. During (1992)
complementa ainda mais esta idéia destacando que toda conduta motriz se
manifesta por um comportamento motor, mas não se reduz a este.
A Educação
Física Escolar é entendida como um campo da pedagogia das condutas motrizes, ou
seja, uma prática de intervenção que exerce influência sobre as condutas
motrizes dos participantes em função das normas educativas implícitas ou
explícitas (PARLEBAS, 1999; p. 119). Tentaremos esclarecer um pouco mais esta
afirmação.
“O professor de
Educação Física trabalha com as condutas motrizes de seus alunos. ” O que
Parlebas quis dizer com isso? Que o professor deverá enfatizar em suas aulas de
Educação Física aspectos relativos à cultura corporal de movimento, ou seja, a
ênfase deverá ser na pedagogia do movimento e não na psicologia ou na
filosofia. Essas áreas permeiam, sustentam e obviamente auxiliam o profissional
em sua prática pedagógica. Entretanto, o ponto de partida e chegada são as
manifestações da cultura corporal de movimento (jogos, esportes, atividades
didáticas e atividades livres), onde, de acordo com Bracht (1997) o saber que
trata a Educação Física é “a) ser um saber que se traduz num saber fazer, num
realizar "corporal"; b) ser um saber sobre este realizar corporal”.
Para isso, o
professor deverá conhecer e compreender melhor o que quer ensinar, no caso, os
jogos, esportes, atividades didáticas e atividades livres. Estrutura geral das
atividades, tipos de interações, características essenciais, processos de
tomadas de decisões, entre outros conceitos, irão auxiliar o professor no
desenvolvimento do saber da Educação Física, tanto na dimensão do “saber fazer”
como no “saber sobre o realizar corporal’. Será que isso está claro em nossa
prática pedagógica quando nos deparamos com uma grande quantidade de práticas
da cultura corporal de movimento? Será que temos instrumentos suficientes para fazermos
esta mediação, organização, sistematização, reflexão e síntese das distintas
práticas da cultura corporal de movimento?
Sem dúvida
nenhuma, a Praxiologia Motriz não resolve definitivamente o problema. Mas, de
forma muito original e consistente, aponta novos horizontes para essa questão.
Não adianta insistir em criticar as práticas basicamente esportivas e
desenvolver jogos com a mesma estrutura. Nem falar de cooperação trabalhando
práticas de oposição. Ou então, possibilitar vivências diferenciadas de
movimentos sem modificar sua lógica e sim o tipo de atividade, como acontece com
os esportes coletivos que, praticamente predominam nos programas de Educação
Física.
São questões
como essas que debateremos na seqüência, divididas em quatro subtemas, no caso:
compreender melhor o que se está ensinando; ensinar com mais consistência e
sentido; transferência de estruturas e lógicas de atividades; organizar e
selecionar conteúdos. Muito provavelmente, em determinados momentos, não
conseguirei acompanhar esta divisão que estabeleci. Assim, por exemplo, quando
estiver falando de transferência de estrutura, também poderei incluir na
discussão a organização de conteúdos e de seus significados. Na última parte do
artigo comentarei os resultados do estudo de doutoramento onde irei ilustrar um
pouco melhor essa possibilidade de inserção das reflexões da Praxiologia Motriz
no contexto escolar.
Compreender
melhor o que se está ensinando
Muitas vezes o
professor ensina o futebol repetindo os exercícios que estão nos livros, que
aprendeu no curso, que trocou com o colega e pouco sabe de alguns princípios da
Praxiologia Motriz que poderiam auxiliá-lo (e aos alunos) na criação dessas
aulas. A lógica do futebol não requer uma perfeita execução de movimentos.
Claro, existem "Rivaldos e Ronaldos'' que têm muita precisão, sabem
posicionar-se no momento certo, efetuar verdadeiros malabarismos com a bola,
enfim, jogar com inteligência. Mas por outro lado, será que passariam por
nossos antigos (creio e desejo eu que sejam antigos) testes de execuções
corretas do chute, recepção ou qualquer outro elemento técnico?
Será que não é o
fato de eles terem mais alternativas técnicas, maior capacidade de avaliar
situações rapidamente e tomar decisões que os difere dos demais atletas? Será
que não é aquela forma especial que cada jogador possui e que foge dos padrões
que dá essa excepcional condição de jogo? Não seria mais interessante que o
aluno buscasse entender o futebol e todas as suas dimensões e, em se tratando
da Praxiologia Motriz, compreender sua estrutura e lógica interna de
funcionamento, assim como suas possibilidades de participar nesta atividade de
forma criativa, inteligente e interessante?
Resumidamente,
podemos dizer que o futebol é um jogo competitivo onde duas equipes
enfrentam-se para fazer o gol. É jogado com uma bola que poderá ser tocada com
qualquer parte do corpo, menos com os membros superiores, exceto o goleiro
dentro de sua área de jogo - que poderá utilizar as mãos. Estão presentes a
cooperação e a oposição, ou seja, minha ação motriz depende da ação de meus
companheiros e dos adversários. Isso quer dizer que a todo o momento o
participante dessa modalidade deverá estar tomando decisões em função de seus
companheiros de equipe e de seus oponentes.
O processo de
leitura da informação vinda do companheiro e do adversário é fundamental. O
participante de modalidades com essas características deverá, a todo momento,
ler e interpretar as informações de seu companheiro e adversário e, por outra
via, também é portador de informações. Essas deverão ser claras e legíveis para
seu companheiro, e totalmente obscuras para o adversário. “Estar no lugar certo
na hora certa" ou "conhecer os atalhos do campo", acho que já
escutamos essas expressões algumas vezes. Na interpretação praxiológica seria
aquele jogador que consegue ler as informações do adversário e posicionar-se da
melhor forma possível, antecipando-se a seus adversários e ocupando os melhores
espaços. Será que foi assim que aprendemos a jogar handebol e futebol em nossas
aulas? Será que é dessa maneira que estamos ensinando?
Assim,
entendendo melhor a dinâmica da atividade o professor saberá passar essas
informações de forma mais precisa e eficaz. Inclusive, os próprios
participantes poderão criar a sua forma de participação.
Essa compreensão
da lógica interna das práticas motrizes deverá ser compartilhada e construída
com os alunos. A lógica do futebol não é um conhecimento exclusivo do
professor, como vimos no exemplo anterior. Na medida do possível, o aluno
poderá entender cada vez melhor a lógica interna e o mundo dos jogos, esportes
e outras práticas motrizes. Assim, poderá opinar sobre uma determinada
modalidade ou até envolver-se em uma análise mais ampla, incluindo a lógica
externa, que abrange problemas de violência no esporte, mídia, política e
interesses que rodeiam esse espetacular mundo.
Na prática,
significa construir com os alunos novos critérios para entender o mundo dos jogos,
esportes e outras
atividades
físicas. Como no exemplo do futebol, o aluno poderá perceber que esta
modalidade possui uma característica de cooperação entre companheiros, mas
existe a lógica externa que modifica toda dinâmica desse esporte. Os atacantes
recebem melhores salários que os defensores. Os patrocinadores, em muitos
casos, determinam o número de apresentações de suas estrelas, influenciando na
própria decisão do treinador de encontrar um estilo próprio de jogo. Quando o
tema é a seleção brasileira, a discussão ainda é mais complexa já que envolve
um número enorme de elementos externos à lógica interna da atividade e que dá
um novo sentido ao futebol.
Congruência
entre objetivos do ensino e situações pedagógicas propostas
Este ponto nos
leva a comentar uma vez mais a relação teoria-prática em aulas de Educação
Física. Será que estamos conseguindo coerência nesta relação? O professor
consegue atingir seus propósitos com as alternativas pedagógicas que possui?
Obviamente não temos as respostas para essas questões, mas gostaríamos de
comentar algumas situações mais específicas em nossa área onde o professor se
depara com dificuldades. Usaremos alguns argumentos e caminhos dessa nova
disciplina.
Outro dia,
durante uma reunião com os professores da Rede Municipal de Americana,
pensávamos em estratégias para quebrar o clima de competição nos Jogos
Escolares Municipais. Pensamos na queimada, rouba-bandeira e em outros jogos
tradicionais. Entretanto, ao analisar a lógica interna das atividades que
optamos, constatamos que eram as mesmas do futebol ou handebol. Percebemos que
se incluíssemos essas atividades estaríamos apenas esportivizando esses jogos,
ou seja, dando regras mais fixas e definitivas para incluí-los em um evento
esportivo. Assim, concluímos que se quiséssemos incluir atividades sem a lógica
competitiva, teríamos que escolher outro grupo de atividade, no caso, as
cooperativas. Mesmo neste grupo podemos encontrar atividades que tenham como lógica
a cooperação e a competição. Mas já chegamos mais perto. A solução foi realizar
uma tarefa para os alunos de todas as escolas (um grupo de cada escola), onde
um dependesse do outro para solucioná-la. Solicitou-se a criação de uma
coreografia e propôs-se uma mesma música para todos. No dia da apresentação, os
grupos atuaram juntos, ocupando lugares variados na quadra. Claro que essa
excelente idéia saiu desses interessados colegas da rede municipal de
Americana. O pouco que pude fazer foi, a partir de critérios da Praxiologia
Motriz, buscar maior proximidade entre proposta e atividade.
Outro caso muito
freqüente se dá com os jogos cooperativos. Normalmente confunde-se jogos
cooperativos com jogos tradicionais. Alguns professores buscam trabalhar
atividades cooperativas incluindo atividades como o rouba- bandeira e a
queimada. Temos ainda outra opção, o gato e o rato. Segundo o próprio Parlebas,
o jogo tradicional é o âmbito menos conhecido de todos porque suas regras estão
configuradas em função de uma realidade e cultura. Não são padronizadas para
todo o mundo como é o caso dos esportes, ou seja, em cada realidade encontramos
formas diferentes de organizar o jogo, mesmo os mais conhecidos como o rouba-
bandeira e a queimada.
Uma vez mais o
professor talvez não consiga atingir seus propósitos porque, segundo os
critérios praxiológicos, nenhuma das atividades anteriores estaria tratando de
possibilitar somente a cooperação. No caso das duas primeiras, o rouba-bandeira
e a queimada, os critérios da Praxiologia mostram que são atividades
cooperativas e de oposição, ou seja, a competição está presente. Já a
brincadeira do gato e rato também se constitui em uma atividade competitiva de
cooperação e oposição, porém, existe grande alternância de funções (gato, rato
e roda) que descaracteriza a competitividade entre grupos e pessoas como
acontece no rouba-bandeira e queimada, onde existe uma divisão em grupos
similares aos esportes coletivos. É importante destacar também que poderei
estar redondamente enganado se as normas dessas atividades não forem aquelas
que normalmente conhecemos, alterando assim as características da lógica
interna da atividade. Por isso a necessidade de sempre estarmos atentos às
normas que regem o jogo.
Assim, não garantimos
nossos objetivos simplesmente substituindo jogos por esportes e vice-versa. O
jogo, por si só, não garante a construção de uma boa proposta pedagógica.
Existem jogos competitivos, violentos e preconceituosos. Essas leituras é que
devemos fazer também, assim como normalmente é feito com o esporte.
Transferência de
estruturas e lógicas de atividades
A idéia da
compreensão da lógica interna como vimos no exemplo do futebol, facilita a
transferência da aprendizagem para outras atividades. O basquetebol, o handebol
e o voleibol possuem a mesma estrutura de jogo, mudando apenas a forma de
participação na atividade. Poucas vezes lembramos disso em aulas de Educação
Física. Sempre trabalhamos uma nova modalidade, e mais, a iniciação dessa nova
modalidade.
O sistema de
classificação, o CAI1, é uma das grandes referências para caracterizar cada
âmbito das atividades e possibilitar a transferência de estrutura. Conversando
com os meus companheiros de laboratório de Praxiologia, percebi a possibilidade
de facilitar um pouco mais essa classificação para o contexto escolar. Tentarei
mostrar minha idéia nos próximos parágrafos, calcada em Parlebas (1991), em um
texto apresentado pelo professor Lavega Burgués (2000) no V Seminário
Internacional de Praxiologia Motriz.
O CAI, parte de
dois critérios, um referente à forma de interação e o outro com relação ao meio
físico. Para esta comunicação utilizaremos somente o primeiro critério para
atividades desenvolvidas em meio estável (padrão), por caracterizar melhor o
meio educativo. As atividades na natureza (meio instável) merecem outro texto.
Assim, no que tange à forma de interação, podemos chegar a quatro grupos
distintos: atividades sem interação motriz (ou psicomotriz), atividade com
interação de oposição, atividade de interação de cooperação e atividade de
interação de oposição e cooperação, essas últimas denominadas sociomotrizes.
Nas atividades
sem interação ou psicomotriz, pode-se dizer que a ênfase deverá estar centrada
na própria atividade. O praticante deverá estar totalmente envolvido com sua
tarefa e buscar resolver o problema ou propósito, sempre centrando a atenção no
que está fazendo. Essa orientação vai desde uma corrida até o malabarismo com
três bolas. Claro que o foco da atenção dependerá da atividade, alguns terão
que aprender a lidar com materiais, como é o caso dos jogos malabares, outros,
melhorar índices e performances, no caso dos velocistas, ou então, a
consciência de determinadas partes do corpo, no caso de exercícios para
conscientizar a postura.
Nas atividades
sociomotrizes entra o processo de informação com relação aos outros. No caso
das atividades de oposição, a leitura deverá ser do adversário, ou seja, sempre
o praticante deverá agir em relação ao seu oponente. A todo instante, ele
deverá interpretar a ação do adversário e buscar a antecipação dessas ações
para superá-lo. A sua informação deverá ser a mais obscura possível, ou seja,
quanto menor a clareza das informações para o seu adversário, maiores serão as
possibilidades de êxito. Em síntese, o participante deverá ser o mais
imprevisível possível para o seu adversário. Tentará interpretar o mais rápido
possível as ações deste, buscando a antecipação, e colocará em prática a sua
proposta de jogo. Essa informação vale para esportes de raquetes- simples como
o tênis e tênis de mesa, peteca-simples, lutas,
1 Forma como ficou
conhecido o sistema de classificação dos jogos/esportes de Parlebas, justamente
porque se refere as iniciais dos critérios desta classificação, no caso,
Cooperação, Adversário e Incerteza.
Praxiologia
motriz e a Educação Física Escolar
pega-rabo (um
contra um), briga de galo, desequilíbrio (um contra um), entre outros mais.
Nas atividades
cooperativas também existem os processos de informações, entretanto, funcionam
de forma totalmente contrária. Se no primeiro caso a imprevisibilidade da ação
era fundamental, neste grupo ocorre o oposto. O praticante deverá ser o mais
previsível possível com as suas ações para poder articular com as ações de
seu(s) companheiro(s). O colega deverá saber o que irei fazer porque já não
existe mais a “minha” ação e sim, a “nossa” ação. Quanto melhor a integração
(facilitação de leituras) entre os participantes, melhores são as chances de
êxito na atividade. Essa estrutura poderá ser encontrada em apresentações de
ginástica rítmica (grupo), nos revezamentos (em raias separadas), no jogo da
capoeira, no frescobol, jogos cantados em roda, entre muitos outros jogos e
esportes.
Por fim, temos
as atividades que conjugam a cooperação e oposição. Neste caso, os dois
processos de informações comentados anteriormente ocorrem concomitantemente. No
instante em que o participante lê a informação do(s) adversário(s) e de seu(s)
companheiro(s), busca deixar clara as informações para seu(s) companheiro(s) e
tornar obscuras para o(s) adversário(s). Desse processo de interação, o
participante deverá tomar um grande número de decisões, como deslocar-se para
frente, para trás, passar ou chutar a gol, trocar de espaço com o companheiro,
defender, fazer cobertura etc. Os tipos de decisões poderão ser finitas,
impossível é prever a sua seqüência. O desafio das equipes é justamente
antecipar a leitura do adversário e ludibriá-lo com informações incorretas e
imprecisas. Neste grupo temos o futebol, handebol, voleibol, basquetebol,
rouba-bandeira, queimada, pega-pega, pega-corrente, taco entre muitas
atividades. Logo, as informações são padrões para todas. Pode-se aproveitar a
estrutura de uma para chegar à outra, evidenciando, obviamente, as diferenças e
variantes.
Poderíamos
destrinchar ainda mais estes elementos da Praxiologia, mas não é nossa proposta
neste momento. O que quis mostrar até aqui é que existem instrumentos de análise
da Praxiologia Motriz que facilitam este processo de transferência de
estruturas. O CAI é um deles, e esse tipo de análise que acabo de apresentar é
uma das possibilidades. Ou seja, estamos apenas engatinhando neste caminho da
reflexão sobre estruturas de atividades. Como diz o próprio autor, faltam
investigações para desvelar este mundo.
Ensinar os jogos
de forma desconectada de outras vivências motrizes é um dos maiores erros que
cometemos hoje em nossas aulas de Educação Física. Quantas horas são perdidas
ensinando o passe, a recepção, os deslocamentos, sem ensinar a estrutura geral
da atividade e as possibilidades de criar formas de participação a partir de
elementos básicos da lógica interna da atividade? Talvez possamos centrar um
pouco mais esta questão no processo de organização e seleção de conteúdos, tema
que será desenvolvido a seguir.
Organizar e
selecionar conteúdos
Este ponto se
refere justamente ao tema central de meu estudo de doutorado. Uma vez
considerada a proposta pedagógica da escola, do município, dos PCN, incluindo
aspectos relativos à realidade escolar e a própria visão de mundo do professor,
é chegada a hora de colocar a mão na massa. Por onde começar? Do conhecido para
o desconhecido, como propõe o Construtivismo? Do simples para o complexo? E que
referência temos para desenvolver estas atividades com relação às suas
características? Temos que trabalhar somente com jogos coletivos? Ou esportes?
Ou atividades cooperativas?
Neste instante,
a partir do olhar praxiológico, entendo que estamos ensinando em nossas aulas
atividade por atividade. Uma boa metáfora, a mais utilizada pelos praxiólogos,
se refere à música. Nossa situação na Educação Física é equiparada a um aluno
da teoria musical que tivesse que aprender música por música.
Isso me faz
lembrar de quando aprendi a primeira música no violão, 'Pra não dizer que não
falei das flores ', de Geraldo Vandré. Quantas pessoas não iniciaram o
aprendizado de um instrumento, nesta época, por esta música? Além da
importância política, havia outro elemento que atraia os aprendizes,
principalmente de violão: é que utilizávamos apenas duas notas musicais de
simples execução (lá menor e sol). O professor de música poderá aproveitar essa
questão contextual, e creio que faça isso, para introduzir novas notas
musicais, ritmos e novas músicas, e não para ensinar música por música. Por
conta da reflexão praxiológica, na Educação Física Escolar, pode-se afirmar que
ainda estamos ensinando atividade por atividade e não a gramática do
jogo/esporte2.
Os exemplos e as
metáforas são infinitos, e junto com estas reflexões cresce o número de
questões, como por exemplo: como organizar e selecionar conteúdos em um grande
universo de práticas físicas?
A Praxiologia
Motriz sugere caminhos para uma resposta mais consistente a essa questão. Um
deles poderá ser
2 Os professores do
laboratório de Praxiologia Motriz, Francisco Lagardera e Pere Lavega, utilizam
esta expressão para sustentar a posição que os jogos e esportes são possuidores
de uma gramática muito singular, que deve ser
estruturado a
partir do Sistema de Classificação que foi comentado no tópico anterior. A
partir do CAI, irei situar um pouco mais a questão para discutir este tema,
mas, conseqüentemente, estarei recortando e reduzindo a ação pedagógica.
Com base em uma
das idéias do Construtivismo, partir do conhecido para o desconhecido, o
educador poderá deparar-se com um problema: Até onde podemos conhecer esse
universo de atividades? O que podemos conhecer além de atividades? Vamos ver a
que rumos o conhecimento praxiológico poderá encaminhar a referida questão.
Os alunos de uma
determinada realidade vivenciam, com muita freqüência, atividades de voleibol,
futebol, funk, taco e peteca (jogo sem competição). A que grupo pertence essas
atividades de acordo com o CAI?
• Cooperação e oposição: futebol,
voleibol e taco.
• Cooperação: peteca e funk.
O sistema de
classificação está composto por oito grupos de atividades. Digamos que este
professor optou por cinco grupos. Quais os caminhos que já poderia trilhar com
base no CAI? Vejamos:
• Ensinar as principais características
das atividades de cooperação e oposição. Ou seja, a partir do conhecido, o
aluno iria identificar algumas características de lógica interna de cada grupo,
como por exemplo, tomada de decisão nas atividades de cooperação-oposição ou a
necessidade de ler o movimento do companheiro para realizar uma atividade
cooperativa.
• Construir e criar outras atividades
com os alunos com características similares, mostrando o número infinito do
universo dos jogos, esportes e outras práticas físicas.
• Ensinar atividades com características
estruturais diferentes, como atividades de oposição e atividades sem interação
(atividades psicomotrizes). Este grupo de atividade poderá apresentar
peculiaridades diferentes e até opostas aos já conhecidos.
Exemplo de
investigação no âmbito educacional
Apresentarei, de
forma resumida, minha tese de doutorado orientada pelo professor Ademir De
Marco, desenvolvida na UNICAMP em conjunto com o Grupo de Estudos
Praxiológicos, do Laboratório de Praxiologia Motriz do Instituto Nacional de
Educação Física da Cataluna, Centro de Lleida, Espanha, e defendido no dia 11
de março de 2002 (RIBAS, 2002).
O objetivo geral
do presente trabalho consiste em avaliar a Educação Física Escolar na ótica da
Praxiologia Motriz. Para atingir este objetivo a questão ganhou maior especificidade,
e
originou três
objetivos: analisar, com lentes praxiológicas, a estrutura dos blocos de
conteúdos e das atividades sugeridas em cada bloco para o Ensino Fundamental;
com base nas análises das atividades e no conhecimento praxiológico, interpretar
os alicerces teóricos da área de Educação Física dos PCN para o Ensino
Fundamental; e, por fim, elaborar uma proposta de conteúdos de Educação Física
para o referido documento.
Foram utilizados
dois instrumentos da teoria da ação motriz para orientar os objetivos
propostos. O primeiro está relacionado à forma de interação dos participantes
(sem interação, cooperação, oposição e oposição-cooperação) e ao meio de
prática (estável e instável). A outra matriz de análise organiza as grandes
situações motrizes da Educação Física, no caso, jogos tradicionais, esportes,
exercícios didáticos e atividades livres.
Em relação ao
primeiro objetivo, análise dos blocos e propostas de conteúdos, foi possível
constatar: o descuido que ainda existe no trato com os jogos tradicionais; a
força com que é enfatizado o esporte; imprecisão terminológica; concentração de
atividades com estruturas similares, como os jogos de cooperação-oposição e,
conseqüentemente, ausência de práticas do tipo cooperativa e as atividades na Natureza.
Por outra via
pode-se verificar que existe uma proximidade da concepção de cultura corporal
às bases teóricas antropológicas que deram origem à teoria da ação motriz.
Identificou-se a existência de uma lacuna entre as bases teóricas e os
conteúdos, ao ponto de se combater aulas esportivizadas e, como principal
conteúdo do bloco dos jogos tradicionais e esportes, propor atividades
predominantemente esportivas, ou que preparam para o esporte.
A proposta para
a organização dos conteúdos de Educação Física para o Ensino Fundamental partiu
dos três blocos do documento: jogos tradicionais e esportes (a terminologia foi
adequada); atividades rítmicas e expressivas; conhecimentos sobre o corpo. Cada
bloco foi estruturado em função do Sistema de Classificação, que organiza as
atividades a partir do tipo de interação e do meio de prática (no caso dos
jogos e esportes), seguidas das formas de organização das grandes situações
motrizes da Educação Física. Na seqüência apresento o primeiro esboço da
proposta praxiológica para cada grupo de atividade que será comentada em linhas
gerais na seqüência.
aplicada, conhecida e respeitada
para que cada modalidade seja colocada em prática.
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Motriz, Rio
Claro, v.11, n.2, p.113-120, mai./ago. 2005
OBJETIVOS DOS
CONTEÚDOS -PCN SUGESTÕES DE ORGANIZAÇÃO
DAS ATIVIDADES A PARTIR:
SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO (CAI) GRANDES SITUAÇÕES MOTRIZES
CONHECIMENTO
SOBRE O CORPO ❖ PSICOMOTORAS
❖ COOPERATIVAS ❖ JOGOS
❖ EXERCÍCIOS DIDÁTICOS
❖ ATIVIDADES LIVRES
ATIVIDADES
RÍTMICAS E EXPRESSIVAS ❖ PSICOMOTORAS
❖ COOPERATIVAS ❖ JOGOS
❖ EXERCÍCIOS DIDÁTICOS
❖ ATIVIDADES LIVRES
JOGOS E ESPORTES ❖ PSICOMOTORAS
❖ COOPERATIVAS
❖ OPOSIÇÃO
❖ COOPERAÇÃO E OPOSIÇÃO
❖ ATIVIDADES NA NATUREZA ❖ JOGOS
❖ ESPORTES
❖ ATIVIDADES LIVRES
Figura 01:
Sugestão de grupos de atividades para cada bloco de conteúdos a partir do
sistema de classificação e das grandes situações motrizes.
Com relação ao
primeiro bloco, conhecimento sobre o corpo, entendemos que para atingirmos as
metas propostas deve-se trabalhar a partir de atividades psicomotrizes e
cooperativas, ou seja, para conhecermos nosso corpo estes grupos de atividades,
na prática, traduzem melhor este caminho. Tanto as atividades psicomotrizes
como as atividades cooperativas podem ser trabalhadas a partir de jogos,
exercícios didáticos e atividades livres.
No segundo grupo
de atividades, atividades rítmicas e expressivas, também estão representadas
por atividades psicomotrizes ou cooperativas. Quando ensinarmos atividades
deste grupo em nenhum momento se farão necessárias estruturas que privilegiem a
oposição porque quando ensinamos ritmo e expressão estamos centrando a atenção
em uma relação do praticante com o ritmo (interno e externo) e/ou de sua
expressão. Os jogos, exercícios didáticos e as atividades livres são as
situações motrizes que caracterizam este bloco. Tanto no bloco anterior como
neste as formas competitivas não são as mais adequadas para promover os
objetivos propostos.
Por fim, no
bloco dos jogos e esportes, além das atividades cooperativas e psicomotrizes,
agregam-se as estruturas de oposição e oposição - cooperação. A competição
consiste em um dos temas mais importantes neste bloco, principalmente quando
desenvolvemos atividades esportivas. Nos jogos o leque de opções aumenta já que
promovem
situações em que um colega é adversário e em seguida companheiro, ou então, a
possibilidade dos adversários tornarem-se companheiros para superar um terceiro
adversário, ou ainda, um desequilíbrio entre equipes. Os exercícios didáticos e
os jogos normalmente são utilizados como forma de explorar novas formas de
jogar ou melhorar a execução de movimentos.
Comentários
finais
Existe uma série
de possibilidades que poderíamos propor a partir das situações que apresentamos
nesta reflexão. Entretanto, quanto maior o número de detalhes referentes à
lógica externa3 ou contexto - como por exemplo, projeto da escola, material e
espaço disponível, concepção de mundo do professor e perfil do aluno -, maior
será a possibilidade de construir novas perspectivas com base nos instrumentos
da Praxiologia Motriz.
É importante
destacar que esses critérios praxiológicos não devem ser utilizados como uma
ciência exata e sim como referência. O equilíbrio, por exemplo, não tem de ser
entendido como 50% para um grupo de atividades e outros 50% para outro grupo,
com tamanha exatidão. Esses valores são referências e deverão provocar um
diálogo com o contexto. Quero dizer com isso que a leitura proposta pela Praxiologia
Motriz, em um primeiro instante, se refere ao jogo ou esporte e não somente ao
aluno. Não é o caso de reproduzir receitas de uma turma para a outra e sim de
ter clareza das situações pedagógicas que pretende construir com seus alunos.
Assim, os
caminhos continuam sendo infinitos e não limitados por um sistema de
classificação ou organização de atividades. A diferença é que os critérios da
Praxiologia Motriz facilitam a organização desse universo, mas não os cria
perfeito e objetivo. O que se torna mais palpável e claro, segundo o prisma da
praxiologia motriz, é a lógica interna dos jogos e esportes.
Se antes
tínhamos os esportes coletivos e esportes individuais, agora podemos organizar
essas modalidades a partir dos tipos de interação (cooperação, oposição,
cooperação-oposição e psicomotriz), ou então em relação ao meio de prática
(atividades na natureza onde o meio é incerto ou em um meio padronizado), ou
ainda, pela forma de regulamentar a atividade (esporte, jogo, atividade livre
ou atividade didática). Este estudo deixa as primeiras orientações para os
profissionais de Educação Física para organização e seleção de conteúdos a
partir do Sistema de Classificação (CAI) e das Grandes Situações Motrizes
Outro ponto que
gostaria de destacar é que os critérios de estudos dos jogos e esportes
propostos pela Praxiologia motriz não deverão ser entendidos como redução de
nossas aulas de Educação Física a ações motrizes. Pelo contrário, sugerimos que
se constituam como um elemento a mais para dar novos significados às nossas
práticas pedagógicas.
Tenho buscado
esclarecer também que a Praxiologia Motriz não deve ser entendida como mais uma
vertente pedagógica da Educação Física, e sim como área de conhecimento que
apresenta um criterioso olhar sobre os jogos e esportes. Provavelmente um
sentido metodológico da Praxiologia irá reduzir a prática pedagógica a sistemas
de classificações de atividades e, consequentemente, ocultará a relevância deste
conhecimento no processo de ação e reflexão de aulas de Educação Física na
escola.
Referências
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especificidade.
In: SOUSA, E. S.; VAGO, T. M. (Org.). Trilhas e partilhas: Educação Física na
cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Cultura, 1997. p.13-23.
3 Modo
particular com que pode ser objeto de interpretação externa a lógica de todo
jogo esportivo, na qual é possível atribuir significações simbólicas novas e
insólitas (Parlebas, 1999: 220).
120
DURING, B. La
crisis de las pedagogias corporales.
Málaga:UNISPORT,
Junta de Andalucia, 1992. Edição original publicada em 1981, Editores Scarabée,
Paris. Título Original: La crise des pédagogies corporelles.
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Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
Endereço:
Rua dos
Andradas, 819 - Centro
Santa Maria RS
97010-031
e-mail:
ribasifm@uol.com.br
Manuscrito
recebido em 11 de outubro de 2005. Manuscrito aceito em 07 de dezembro de 2005.
Motriz, Rio
Claro, v.H, n.2, p.113-120, mai./ago. 2005