Rio de Janeiro v. 9, n. 1, p.
45-64, jan. 2013
Segundo Ivo Tonet:
O rastreamento histórico é o caminho mais comum
quando se busca entender a questão da cidadania. Não nos parece que seja este o
melhor caminho. Certamente, o conhecimento da história é muito importante. No
entanto, o processo histórico é algo extremamente complexo e variado. Como
evitar que nos percamos em meio a esta complexidade e variedade de aspectos.
Precisamos de um fio condutor que nos permita compreender a lógica do processo
histórico. Este fio, ao nosso ver, são as determinações gerais que caracterizam
o processo de autoconstrução humana. Vale dizer, a primeira pergunta não pode
ser o que é a cidadania, mas o que é o homem; o que são essas determinações
fundamentais que demarcam o processo de tornar-se homem do homem. Este é o
caminho que nos parece mais adequado para compreender todo e qualquer fenômeno
social. Na perspectiva marxiana, este fio tem como ponto de partida o ato que,
para Marx, é o fundamento do ser social, ou seja, o ato do trabalho. Segundo
ele, se queremos respeitar o processo real, temos que partir não de
especulações ou de fantasias, mas fatos reais, “empiricamente verificáveis”,
vale dizer, dos indivíduos concretos, suas ações, as relações que estabelecem
entre si no trabalho e suas condições reais de existência. E o primeiro ato dos
homens é exatamente o ato de trabalhar. Somente assim poderemos capturar as
determinações fundamentais que caracterizam o ser social e seu processo de
reprodução. O exame acurado do ato de trabalho permite a Marx perceber que este
se compõe de dois momentos: a teleologia e a causalidade. Dois momentos,
ressalte-se, de igual estatuto ontológico. Ou seja, de um ponto de vista
ontológico, a consciência é tão importante como a realidade objetiva. Trabalhar
é, portanto, conceber antecipadamente o fim que se pretende alcançar e atuar
sobre a natureza para transformá-la de acordo com este objetivo. Por outro
lado, ao transformar a natureza, o homem cria, ao mesmo tempo o seu próprio
ser. Tanto Marx, como Lukács, insistem que é por intermédio do ato do trabalho que
se realiza o salto ontológico do ser natural ao ser social. A partir da análise
mais rigorosa da estrutura ontológica do trabalho, pode-se perceber que o ser
social é um ser radicalmente histórico e social. Isso quer dizer que não existe
nada, no ser social, que seja imutável; que a totalidade deste ser é sempre
o resultado dos atos humanos. Do que se segue que
nenhuma ordem social pode reclamar o título de insuperável. A partir da análise
do trabalho, também se pode perceber que o ser social é um ser que se
caracteriza essencialmente pela atividade, pela sociabilidade, pela
consciência, pela liberdade e pela universalidade. Estas determinações
constituem elementos essenciais do ser social. No entanto, é preciso sublinhar
enfaticamente; a noção marxiana de essência não é, de modo algum, uma noção
metafísica. Ao contrário, ela é inteiramente histórica. O que significa que
aquelas determinações também têm sua origem nos atos humanos. O que as
distingue dos aspectos fenomênicos não é a sua imutabilidade, mas a sua maior
unidade e continuidade. Contudo, o fato de o trabalho ser o ato originário do
ser social, não significa que ele esgote a natureza deste ser. Por sua natureza,
o trabalho é uma atividade que tem a possibilidade de produzir de forma cada
vez mais ampla. O que significa que a complexificação sempre mais intensa é uma
característica própria do ser social. Esse aumento da complexificação é
responsável pelo surgimento de problemas e de necessidades que não podem ser
resolvidos ou satisfeitas diretamente pelo trabalho. A resolução destes
problemas e a satisfação destas necessidades exige a estruturação de outras
dimensões específicas, como a linguagem, a ciência, a arte, a educação, o
direito, a política, etc. Todas estas dimensões têm sua origem na dimensão
fundante do trabalho, mas isto não significa, de modo algum, que seja por
derivação direta e mecânica. A autonomia relativa é-lhes necessária para que
possam cumprir suas funções sociais. Donde se segue que, para compreender
qualquer uma destas dimensões, teremos sempre que buscar as suas origens
histórico-ontológicas e a função que devem cumprir na reprodução do ser social.
(TONET, 2005, s/p).
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