segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar / Jean-Claude Forquin







Forquin, Jean-Claude



Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar / Jean-Claude Forquin ; tradução de Guacira Lopes Louro. - Porto Alegre : Artes Médicas, 1993.

208p. ; 16x23cm.

l.Educação - Sociologia - Teoria e critica. I.Título CDU 37.015.1

Bibliotecária responsável: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023




https://drive.google.com/file/d/0B-jZwq5DHNmOa3hPeUNfZS1aams/view?usp=sharing








Sumário

Prefácio 7

Introdução: Currículo e cultura 9 I. Educação e cultura: um debate doutrinal 27

1. Dois pontos de vista opostos sobre a escola e a cultura: Williams e Bantock 29

2. Currículo e racionalidade:

A abordagem filosófica de P. H. Hirst 55

II. “Nova sociologia”, currículo e cultura 67

3. Para uma abordagem sociológica do currículo 69

4. Contribuições originais da “nova sociologia” para a teoria do currículo 85

5. “Nova sociologia” e currículo: desenvolvimentos e reconceptualizações 103

III. Razão pedagógica e cultura 121

6. As implicações educativas do pluralismo cultural 123

7. A justificação do currículo e a questão do relativismo 144 Conclusão: Pedagogia, sociologia e cultura 163 Referências bibliográficas 175








Prefácio



Este livro constitui a versão abreviada e reformulada de minha Tese de Doutorado de Estado em Letras e Ciências Humanas, preparada sob a orientação conjunta de Olivier Reboul, professor de Filosofia da Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo (Estrasburgo 2) e de Louis Legrand, professor de Ciências da Educação na Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo (Estrasburgo 1) e defendida em 12 de junho de 1987 na USHS.1 Foi feito um esforço para apresentar aqui um texto mais legível, aliviado de uma parte de sua carga documental e bibliográfica e de sua extensão, que conserva, entretanto, o essencial do conteúdo de informação e de pensamento do texto original. A conclusão foi quase inteira­mente reescrita.

Agradeço aos professores Olivier Reboul e Louis Legrand por terem aceitado orientar este trabalho, assim como aos professores Michel Tardy, Jean Hassenforder e Eric Plaisance, respectivamente presidente e membros da banca examinadora. Agradecimentos devem ser também dirigidos a todas as pessoas que, em diversos níveis, em particular da Escola Normal Superior de Saint-Cloud (depois Fontenay- Saint-Cloud), contribuíram por seu auxílio e seu apoio para a realização deste trabalho de tese e para a produção do presente livro.

Nota

l. Jean-Claude Forquin: Le débat sur l’école et la culture chez les théoriciens et sociologues de l’éducation en Grande-Bretagne (1960-1985). Tesc de Doutorado de Estado, 1987, Estrasburgo, Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo, 2 vol., 662 pp., disponível sob a forma de micro-fichas (Atelier National de Reproduction des Thèses, Universidade de Lille III, ISSN 0294-1767, tesen» 87.01.05039/88).




Introdução

Currículo e cultura






1. A educação e a questão da cultura





De todas as questões suscitadas pela reflexão sobre os problemas da educação desde o começo dos anos 60, as que se referem à função de transmissão cultural da escola são, ao mesmo tempo, as mais confusas e as mais cruciais. Ocorre que elas dizem respeito ao próprio conteúdo do processo pedagógico e interpelam os professores no mais profundo de sua identidade. Se não há realmente ensino possível sem o reconhecimento, por parte daqueles a quem o ensino é dirigido, de certa legitimidade da coisa ensinada, corolário da autoridade pedagógica do professor, é necessário também, e antes de tudo, que este sentimento seja partilhado pelo próprio professor. Toda pedagogia cínica, isto é, consciente de si como manipulação, mentira ou passatempo fútil, destruiria a si mesma: ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida a seus próprios olhos. Esta noção de valor intrínseco da coisa ensinada, tão difícil de definir e de justificar quanto de refutar ou rejeitar, está no próprio centro daquilo que constitui a especificidade da intenção docente como projeto de comunicação formadora. É por isso que todo questionamento ou toda crítica envolvendo a verdadeira natureza dos conteúdos ensinados, sua pertinência, sua consistência, sua utilidade, seu interesse, seu valor educativo ou cultural, constitui para os professores um motivo privilegiado de inquieta reação ou de dolorosa consciência. Além disso, o desenvolvimento deste tipo de questionamento no contexto da agitação institucional e cultural que os sistemas de ensino (e particu­larmente o ensino secundário) atravessaram a partir dos anos 60 constitui, sem dúvida, um fator essencial (ainda que nem sempre claramente identificado) daquilo que se usa chamar, de modo um pouco estereotipado, de crise da educação.

Esta crise é demonstrada, em particular, pela instabilidade dos programas e cursos escolares constatada atualmente por toda a parte. Não se sabe mais o que verdadeiramente merece ser ensinado a titulo de estudos gerais: o círculo dos saberes formadores, aquilo que os Gregos chamavam o “enkuklios paidéia”, perdeu seu centro e seu equilíbrio; a cultura geral perdeu sua forma e sua substância. Os anos 70 viram triunfar um “discurso de deslegi ti mação” poderosa­mente articulado em torno de certas contribuições recentes das ciências sociais. O “discurso de restauração” que se esboça nos anos 80 fica muito freqüentemente confinado ao estreito âmbito do ressentimento. De fato, por toda parte, é o instrumentalismo estreito que reina, o discurso da adaptação e da utilidade momentânea, enquanto que as questões fundamentais, as que dizem respeito à justificação cultural da escola, são sufocadas ou ignoradas. Compreende-se certa­mente que, num mundo onde a idéia de cultura tende a se tornar ao mesmo tempo pletórica e inconsistente, a função de transmissão cultural da escola seja cada vez mais difícil de identificar e, a fortiori, de ser assumida. Entretanto, o pensamento pedagógico contemporâneo não pode se esquivar de uma reflexão sobre a questão da cultura e dos elementos culturais dos diferentes tipos de escolhas educativas, sob pena de cair na superficialidade. Ele se encontra, na verdade, na situação paradoxal de não poder dispensar a idéia de cultura, mas tampouco de poder utilizá-la como um conceito claro e operatório. Elucidar esta questão dos funda­mentos e das implicações culturais da educação é hoje, sem dúvida, uma tarefa que aó pode ser perseguida de modo indireto e fragmentário, mas que de qualquer modo vale a pena ser perseguida, pois que é a justificativa fundamental do empreendimento educativo que, através dela, está em jogo.

1. A educação, reflexo e transmissão da cultura

Incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica. Quer se tome a palavra “educação” no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário reconhecer que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmis­são, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de “conteúdo” da educação. Devido ao fato de que este conteúdo parece irredutível ao que há de particular e de contingente na experiência subjetiva ou intersubjetiva imediata, constituindo, antes, a moldura, o suporte e a forma de toda experiência individual possível, devido, então, a que este conteúdo que se transmite na educação é sempre alguma coisa que nos precede, nos ultrapassa e nos institui enquanto sujeitos humanos, pode-se perfeitamente dar-lhe o nome de cultura. Reconheçamos contudo a parcela de arbitrário que implica um tal emprego da palavra “cultura” e a necessidade de um esclarecimento léxico.



Palavra-chave, palavra-guia, palavra-intersecção do vocabulário da educação, este termo “cultura” é também um dos mais equívocos e mais enganadores. Observamos em seu espectro semântico uma tensão entre uma faceta individual e uma faceta coletiva, um pólo normativo e um pólo descritivo, uma ênfase universalista e uma ênfase diferencialista. Entre os empregos atualmente pertinen­tes da palavra “cultura”, encontramos, naturalmente, desde o início, a acepção tradicional, individual, normativa, “promocional”, segundo a expressão de C. Camilleri (1985) ou ainda, como diria Henri Marrou (1948), “perfectiva” (sem dúvida também com uma conotação “elitista”): a cultura considerada como o conjunto das disposições e das qualidades características do espírito “cultivado”, isto é, a posse de um amplo leque de conhecimentos e de competências cognitivas gerais, uma capacidade de avaliação inteligente e de julgamento pessoal em matéria intelectual e artística, um senso da “profundidade temporal” das realizações humanas e do poder de escapar do mero presente. Na outra extremidade do campo semântico desta palavra, encontraremos, ao contrário, a acepção puramente descritiva e objetiva desenvolvida pelas ciências sociais contemporâneas: a cultura considerada como o conjunto dos traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo, aí compreendidos os aspectos que se podem considerar como os mais cotidianos, os mais triviais ou os mais “inconfessáveis”. Parece contudo que quando se fala da função de “transmissão cultural” da escola, retemos implicitamente uma definição da cultura que é ao mesmo tempo menos restritiva que a primeira e menos global do que a segunda. Esta última exclui todo julgamento de valor, toda apreciação e toda seleção. Ora, é preciso reconhecer que sempre, e por toda a parte, a educação implica um esforço voluntário com vistas a conferir aos indivíduos (ou ajudar os indivíduos a adquirir) as qualidades, competências, disposições, que se têm por relativamente ou intrin­secamente desejáveis, e que para isto nem todos os componentes da cultura no sentido sociológico são de igual utilidade, de igual valor. Certos aspectos da cultura são reconhecidos como podendo e devendo dar lugar a uma transmissão deliberada e mais ou menos institucionalizada, enquanto que outros constituem objeto apenas de aprendizagens informais, até mesmo ocultas, e outros enfim não sobrevivem ao envelhecimento das gerações e não conseguem deixar marcas no tempo. Falar de transmissão cultural supõe, então, sempre, em qualquer nível, a idéia de uma permanência (pelo menos relativa) e a idéia de um valor, ou de uma excelência. E por isso que a acepção estritamente descritiva dos sociólogos (incontestável no seu domínio próprio de pertinência, ainda que ela possa dar lugar, por sua vez, a múltiplas especificações e discussões) não poderia satisfazer o pedagogo. Inversa­mente, a acepção individual e “perfectiva” é demasiado unilateral. A cultura do “homem cultivado”, esta qualidade sutil e imponderável da pessoa, não é, realmente, senão o avesso, o reflexo, a condensação individual, a expressão excepcionalmente elaborada de um “mundo de cultura” no qual ele se banha e de uma “tradição de cultura” que ele herda e da qual os outros, seus contemporâneos, são, sem dúvida, os herdeiros e as testemunhas, mesmo que muitas vezes sem poder se reconhecerem ou se expressarem como tais.

Então o que significa a palavra “cultura”, quando se tala da função de transmissão cultural da educação? Essencialmente, um patrimônio de conhecimen­tos e de competências, de instituições, de valores e de símbolos, constituído ao longo de gerações e característico de uma comunidade humana particular, definida de modo mais ou menos amplo e mais ou menos exclusivo. Sendo obra coletiva e bem coletivo objetivável, este patrimônio distingue-se da cultura no sentido subjetivo e “perfectivo”, ele não é o monopólio do “homem cultivado”, ele é, para retomar a distinção de Kerschensteiner, Kulturgut antes que Bildungsgut. Mas, sendo o produto de um processo perpétuo de seleção e decantação, sendo suporte de memória e obra de memória, e revestido de uma conotação sagrada (objeto por vezes de admiração, sempre de respeito), ele se distingue da cultura no sentido descritivo e científico, do qual, no entanto, permanece inseparável. Mas a cultura assim compreendida, como herança coletiva, patrimônio intelectual e espiritual, pode deixar-se encerrar completamente dentro das fronteiras das nações ou dos limites das comunidades particulares? Ao lado da ênfase pluralista e diferencialista, até mesmo nacionalista da palavra “cultura” (que se difunde no século XIX entre os intelectuais europeus e se encontra atualmente, como sublinha Alain Finkielkraut [1987], no centro de todos os discursos “identitários”), deve-se conceder um espaço, no vocabulário atual da educação, à noção universalista e unitária de “cultura humana”, isto é, à idéia de que o essencial daquilo que a educação transmite (ou do que deveria transmitir) sempre, e por toda a parte, transcende necessariamente as fronteiras entre os grupos humanos e os particularismes mentais e advém de uma memória comum e de um destino comum a toda a humanidade. E pode-se mesmo perguntar se, mais ainda do que uma herança comum ou um bem comum, a cultura não é, em primeiro lugar, antes de tudo, um estado especificamente humano, o próprio fato de ser humano, isto é, aquilo pelo qual o homem distancia-se da natureza e distingue-se especificamente da animalidade. “A educação é o conjunto dos processos e dos procedimentos que permitem à criança humana chegar ao estado de cultura, a cultura sendo o que distingue o homem do animal”, escreve Olivier Reboul (Le langage de l’éducation, p. 61). É justamente porque o homem é um “ser de cultura” que a questão da educação está no próprio centro da problemática antropológica, como o manifesta a contrario, nas origens da ciência moderna do homem, o paradigma-paradoxo da “criança selvagem”.

Certamente estas cinco acepções possíveis (sem dúvida entre muitas outras) da palavra “cultura” (a acepção “perfectiva” tradicional, a acepção positiva ou descritiva das ciências sociais, a acepção “patrimonial” diferencialista ou “iden- titária”, a acepção universaiista-unitária, a acepção filosófica que opõe globalmen­te cultura e natureza) não são fundamentalmente excludentes entre si e podem às vezes coexistir num mesmo texto (como aliás será o caso, inevitavelmente, ao longo do presente estudo). Importa, entretanto, que cada um destes empregos possa ser



claramente identificado no interior da linguagem da educação. Definir, por exemplo, a cultura como esta moldura, suporte ou forma de toda experiência individual possível que “nos precede, nos ultrapassa e nos institui enquanto sujeitos humanos”, não implica privilegiar a acepção “patrimonial” do termo e, sem dúvida, seu componente universalista, mais do que seu pólo diferencialista? Um tal ponto de vista poderia ser considerado como fazendo eco, muito indireta e modestamente, a certas reflexões particularmente esclarecedoras propostas por Hannah Arendt, quando ela destaca as implicações educativas fundamentais daquilo que ela chama “a natalidade”, o tato de que os seres humanos nascem num mundo que preexiste a eles, que não é naturalmente o seu, e no interior do qual se tem a responsabilidade absoluta de introduzi-los e de acolhê-los como os sucessores imprevisivelmente novos, cegos no entanto enquanto não se lhes é dado ver o visível, paralíticos enquanto não se lhes é dado percorrer aquilo que é percorrível.

“Com a concepção e o nascimento”, escreve Hannah Arendt (em La crise de la culture, tradução, 1972, p.228), “os pais não deram somente a vida a seus filhos, eles, ao mesmo tempo, introduziram-nos em um mundo. Educando-os, eles assumem a responsabilidade da vida e do desenvolvimento da criança, mas também a da continuidade do mundo. Estas duas responsabilidades não coincidem de modo algum e podem mesmo entrar em conflito. Num certo sentido a responsabilidade do desenvolvimento da criança vai contra o mundo: a criança tem muito particu­larmente necessidade de ser protegida e cuidada para evitar que o mundo possa destruí-la. Mas este mundo também tem necessidade de uma proteção que o impeça de ser devastado e destruído pela vaga dos recém chegados que se precipita sobre ele a cada geração”. E por isso que, para Arendt, esta responsabilidade de designar o mundo, de dizer: “Eis nosso mundo”, que cabe aos adultos diante destes recém- chegados, os quais devem sobreviver e substituí-los em seus reinados, supõe uma atitude fundamentalmente conservadora, ou, mais exatamente, preservadora. “O fato de aprender está inevitavelmente voltado para o passado”, escreve ela (p.250), e o papel do educador supõe “um imenso respeito pelo passado” (p.248). E com esta única condição que, paradoxalmente, nós deixaremos para nossos filhos “sua chance de empreender qualquer coisa de novo”, que nós os prepararemos para “a tarefe de renovar o mundo comum” (p.252). Entretanto, observa (p.247), “apesar de toda a tagarelice da moda sobre um novo conservadorismo, hoje é extremamente difícil de apegar-se a este mínimo de conservação e a esta atitude conservadora sem a qual a educação é total e simplesmente impossível.”

Toda reflexão sobre a educação e a cultura pode assim partir da idéia segundo a qual o que justifica fundamentalmente, e sempre, o empreendimento educativo é a responsabilidade de ter que transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura, isto é, não como a soma bruta (e aliás inimputável) de tudo o que pode ser realmente vivido, pensado, produzido pelos homens desde o começo dos tempos, mas como aquilo que, ao longo dos tempos, pôde aceder a uma existência “pública”, virtualmente comunicável e memorável, cristalizando- se nos saberes cumulativos e controláveis, nos sistemas de símbolos inteligíveis, nos instrumentos aperfeiçoáveis, nas obras admiráveis. Neste sentido pode-se dizer perfeitamente que a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última: a educação não é nada fora da cultura e sem ela. Mas, reciprocamente, dir-se-á que é pela e na educação, através do trabalho paciente e continuamente recomeçado de uma “tradição docente” que a cultura se transmite e se perpetua: a educação “realiza” a cultura como memória viva, reativação incessante e sempre ameaçada, fio precário e promessa necessária da continuidade humana. Isto significa que, neste primeiro nível muito geral e global de determi­nação, educação e cultura aparecem como as duas fàces, rigorosamente recíprocas e complementares, de uma mesma realidade: uma não pode ser pensada sem a outra e toda reflexão sobre uma desemboca imediatamente na consideração da outra.

2. Especificidade e seletividade da cultura escolar

A ênfase posta sobre a função de conservação e de transmissão culturais da educação não deveria impedir-nos de prestar a atenção ao fato de que toda educação, e em particular toda educação de tipo escolar, supõe sempre na verdade uma seleção no interior da cultura e uma reelaboração dos conteúdos da cultura destinados a serem transmitidos às novas gerações1. Esta dupla exigência de seleção na cultura e de reelaboração didática faz com que não se possa apegar-se à afirmação geral e abstrata de uma unidade da educação e da cultura: é necessário matizar e especificar, isto é, construir uma verdadeira problemática das relações entre escola e cultura.

Num certo nível de generalidade conceituai, reconheceremos a pertinência de uma abordagem como a de Hannah Arendt. É verdade que num sentido muito fundamental a educação consiste em introduzir os membros das novas gerações no interior de um mundo que eles não conhecem e que eles deverão habitar durante um certo tempo, antes de remetê-lo por sua vez como herança a seus sucessores, e é verdade que se pode pensar a partir de uma tal visão a relação entre educação e cultura, definindo a cultura como esta ordem humana preciosa e precária que é para cada homem como uma matriz, uma memória e uma promessa fundadoras. Não é possível, entretanto, apegar-se a este único nível de determinação abstrata. E necessário reconhecer, com efeito, que esta ordem humana da cultura não existe em lugar nenhum como um tecido uniforme e imutável, mas que ela se especifica, ao contrário, numa diversidade de aparências e de formas segundo os avatares da história e as divisões da geografia, que ela varia de uma sociedade a outra e de um grupo a outro no interior de uma mesma sociedade, que ela não se impõe jamais de forma certa, incontestável e idêntica para todos os indivíduos, que ela está submetida aos acasos das “relações de força simbólicas” e a eternos conflitos de interpretação, que ela é imperfeita, lacunar, ambígua nas suas mensagens, incons­tante nas suas prescrições normativas, irregular nas suas formas, vulnerável nos seus modos de transmissão e perpetuação. Isto significa dizer que a educação não transmite jamais a cultura, considerada como um patrimônio simbólico unitário e imperiosamente coerente. Nem sequer diremos que ela transmite fielmente uma cultura ou culturas (no sentido dos etnólogos e dos sociólogos): ela transmite,no máximo, algo da cultura, elementos de cultura, entre os quais não há forçosamente homogeneidade, que podem provir de fontes diversas, ser de épocas diferentes, obedecer a princípios de produção e lógicas de desenvolvimento heterogêneos e não recorrer aos mesmos procedimentos de legitimação. Isto significa dizer que a relação entre educação e cultura poderia ser mais bem compreendida através da metáfora da bricolagem (como re-utilização, para fins pragmáticos momentâneos, de elementos tomados de empréstimo de sistemas heterogêneos) do que através da metáfora do reflexo ou da correspondência expressiva.

No que se refere mais particularmente à educação do tipo escolar, a consciência de tudo o que ela conserva do passado não deve encorajar a inconsciência de tudo o que ela esquece, abandona ou rejeita. A cada geração, a cada “renovação” da pedagogia e dos programas, são partes inteiras da herança que desaparecem da “memória escolar”, ao mesmo tempo que novos elementos surgem, novos conteú­dos e novas formas de saber, novas configurações epistêmico-didáticas, novos modelos de certeza, novas definições de excelência acadêmica ou cultural, novos valores. Devemos assim reconhecer o grande poder de seleção da “memória docente”, sua capacidade de “esquecimento ativo”. Pode-se então perguntar quais são os determinantes, os mecanismos, os fatores desta seleção cognitiva e cultural que fez com que uma parte da herança humana é assim mantida “a salvo do esquecimento”, de geração a geração, enquanto que o resto parece consagrado ao sepultamento definitivo.

Mas não é apenas em relação ao passado, em relação a este “imenso pedestal de silêncio” de todos os mundos perdidos “cujo virgem, vivaz e belo presente” não é senão a ínfima península aparente, que se põe o problema da “seleção cultural escolar”: é também, é até mesmo mais ainda, em relação ao estado dos conheci­mentos, das idéias, dos hábitos, dos valores que se desenrolam atualmente no interior da sociedade. Reconheçamos, a escola não ensina senão uma parte extremamente restrita de tudo o que constitui a experiência coletiva, a cultura viva de uma comunidade humana. Se se atribui à palavra “cultura” o sentido descritivo amplo dos etnólogos e dos sociólogos, se se considera então a cultura como um conjunto das maneiras de viver características de um grupo humano num dado período, é bastante evidente que o que constitui o objeto de uma transmissão formal explícita e intencional nas escolas não representa senão uma parte muito pequena dela. Reconhecer-se-á por exemplo que se a fraude, o crime, a mentira, a violência, sob todas as suas formas, inscrevem-se muito evidentemente entre os elementos da cultura no sentido científico do termo (e podem constituir-se como tais no objeto de uma aprendizagem social cujas modalidades, variáveis segundo as épocas e os contextos, interessam diretamente ao etnólogo e ao sociólogo), é absolutamente excepcional que se lhes atribua um lugar no ensino e pode-se dizer a mesma coisa de toda sorte de conhecimentos, de atividades ou de hábitos que, sem entrar na categoria do delituoso ou do desaprovado, pertencem simplesmente à esfera do cotidiano ou do trivial. O que se ensina é, então, com efeito, menos a cultura do que esta parte ou esta imagem idealizada da cultura que constitui o objeto de uma aprovação social e constitui de qualquer modo sua “versão autorizada”, sua face legítima. Mas no interior mesmo do que é tido por legítimo no seio da cultura, isto é, na cultura considerada como patrimônio intelectual e espiritual merecedor de ser preservado e transmitido, acontece também de fato que a educação escolar não consegue jamais incorporar em seus programas e seus cursos senão um espectro estreito de saberes, de competências, de formas de expressão, de mitos e de símbolos socialmente mobilizadores. Que é pois que, nos conteúdos vivos da cultura, nas significações que atualmente têm poder de interpelar nossos pensa­mentos e de regular nossas existências, pode ser considerado como tendo um “valor educativo” ou uma pertinência social suficientes para justificar os gastos de todos os tipos exigidos por um ensino sistemático e mantido pelo Estado? Sabe-se que não existe resposta simples, unívoca e universal para tal questão. Segundo os países, as épocas, as ideologias políticas ou pedagógicas dominantes, os públicos de alunos aos quais se dirige, os critérios da “seleção cultural escolar” irão variar e se contradizer: belo tema de pesquisas e de “disputas” para os sociólogos e os historiadores da educação. Resta saber, no entanto, se não é possível, sob a diversidade empiricamente observável das respostas efetivas a esta questão, apreen­der as constantes, estabelecer as espécies de “universais”, até mesmo prescrever as orientações racionalmente fundadas, tarefa que cabe incontestavelmente aos filósofos da educação.

Mas há mais: a educação escolar não se limita a fazer uma seleção entre os saberes e os materiais culturais disponíveis num dado momento, ela deve também, para torná-los efetivamente transmissíveis, efetivamente assimiláveis às jovens gerações, entregar-se a um imenso trabalho de reorganização, de reestruturação, ou de “transposição didática” (cf. M. Verret, 1975, Y. Chevallard, 1985). Ocorre que a ciência do sábio, assim como a obra do escritor ou do artista, ou o pensamento do teórico não são diretamente comunicáveis ao aluno: é necessária a intercessão de dispositivos mediadores, a longa paciência de aprendizagens metódicas (as quais não conseguem se livrar das escoras do didatismo), a elaboração de todos os elementos de saberes “intermediários”, que são tanto imagens artificiais quanto aproximações provisórias mas necessárias, ou trompe-l’oeil intelectualmente for­madores, já que destinados a desaparecerem na etapa seguinte, para a qual eles terão assegurada a passagem (nisto são epistemologicamente diferentes os dispo­sitivos de vulgarização, sem dúvida úteis em seu próprio campo, mas que, como sublinha Philippe Roqueplo [ 1974], fixam o olhar sobre uma imagem-espetáculo do conhecimento). Tal é o papel, por exemplo, dos manuais e de todos os materiais didáticos, mas também o dos exercícios escolares, das lições, dos deveres, dos controles periódicos, dos sistemas de recompensas e sanções propriamente esco­lares. Ironiza-se freqüentemente a estilística cognitiva particular imposta pelo “imperativo da didatização”, o formalismo e a lentidão do espírito escolar e os efeitos de ritualização, de rotinização, de neutralização, de “desrealização” impos­tos muito freqüentemente pela conversão, de toda uma herança viva de experiências, de expressões e de pensamentos, em capítulos de manuais, temas de deveres e questões de exames. É necessário reconhecer entretanto que aquilo que pode parecer como sendo artefatos ou sub-produtos derrisórios, em nome de uma concepção romântica ou “carismática” da produção cultural, constitui, ao mesmo tempo, a base e o solo de toda a vida intelectual, científica ou artística fecunda.

Destacar-se-á enfim que, se o imperativo da “transposição didática” impõe a emergência de configurações cognitivas específicas (os saberes e os modos de pensamento tipicamente escolares), estas configurações tendem a escapar de seu estatuto puramente funcional de instrumentos pedagógicos e de auxiliares das aprendizagens, para se constituir numa espécie de “cultura escolar” sui generis, dotada de sua dinâmica própria e capaz de sair dos limites da escola para imprimir sua marca “didática” e “acadêmica” a toda espécie de outras atividades (que intervêm por exemplo no contexto dos lazeres, dos jogos, do turismo, no campo político ou no campo profissional), sustentando assim com as outras dinâmicas culturais (com as diferentes expressões da cultura “erudita”, com as diferentes formas da cultura dita “popular”, com os meios de comunicação de massa, com as práticas cognitivas ou as maneiras próprias de alguns grupos) relações complexas e sempre sobredeterminadas, de nenhum modo redutíveis, em todo caso, aos processos de simples reflexo ou de “repartição de tarefas”. Sabe-se, por exemplo, em particular graças a Erwin Panofsky (1951), como na Idade Média, o pensamento escolástico, esta “arte de pensar” tipicamente universitária, inventada por e para a escola e obedecendo a uma codificação formal com função didática (clarificação incondicional, hierarquia lógica das articulações do discurso, conciliação dos contrários no ritual da disputatió) pôde inscrever-se, como “força formadora de hábitos”, de modo suficientemente profundo, nos comportamentos dos contempo­râneos, para que se encontre aí a manifestação, em certos caracteres estruturais específicos, da arquitetura gótica. Do mesmo modo pode-se acompanhar, com os historiadores, a emergência, na época moderna, de uma “cultura escolar” original repousando sobre saberes, hábitos, critérios de excelência, sistemas de valores típicos (cf. por exemplo A. Chervel, 1977, G. Vincent, 1980, P. PerrenouÜ, 1984), e na qual não é possível ver o decalque puro e simples de uma “cultura dominante” preexistente ou a expressão direta dos interesses de tal ou qual grupo de pressão exterior à escola, o que não a impede tie se construir através de conflitos e em função de dinâmicas sociais claramente identificáveis (cf. por exemplo A. Prost, 1982). Reconhecer esta especificidade da “cultura escolar” não equivale pois a separar os “sistemas de pensamento” subjacentes aos “sistemas de ensino” (cf. P. Bourdieu, 1967) dos outros dispositivos cognitivos e simbólicos que estão em ação no campo social, mas leva a colocar ênfase na complexidade das relações entre escola e cultura e na impossibilidade de ver naquela o simples veículo ou reflexo de uma cultura posta como uma entidade una e indivisa.

3. Escola, cultura e “modernidade ”

No mundo contemporâneo, as dificuldades que se encontram para definir as relações entre educação e cultura não vêm somente das necessidades da seleção ou da transposição didáticas. Elas se devem também a razões inerentes à própria situação da cultura e que traduz muito bem o conceito de “modernidade”: a educação é cada vez menos capaz, hoje em dia, de encontrar um fundamento e uma legitimação de ordem cultural, porque a cultura “perdeu o seu norte” e se encontra privada das amarras da tradição e da bússola do princípio da autoridade.

À concepção da cultura como acumulação e cristalização de toda a experiência humana, à concepção da educação como recepção das novas gerações no interior do mundo “sempre já velho”, tradição ativa e transmissão de uma herança, a consciência moderna opõe sua experiência e sua exigência históricas da mudança. Que o mundo muda sem cessar: eis aí certamente uma velha banalidade. Mas para aqueles que analisam o mundo atual, alguma coisa de radicalmente nova surgiu, alguma coisa mudou na própria mudança: é a rapidez e a aceleração perpétua de seu ritmo, e é também o fato de que ela se tenha tornado um valor enquanto tal, e talvez o valor supremo, o próprio princípio da avaliação de todas as coisas.

Sobre o primeiro destes dois aspectos, conhecem-se as descrições dos sociólo­gos e dos pedagogos da modernidade. Teórico da educação permanente, Paul Lengrand pode escrever: “O que é novo é a aceleração do ritmo das transformações. As inovações que, antigamente, exigiam o trabalho de várias gerações têm lugar atualmente numa só geração. De dez em dez anos os homens são confrontados com um universo físico, intelectual e moral que representa transformações de uma tal amplitude que as antigas interpretações não são mais suficientes” (Introduction à l’éducation permanente, 1970, p. 12). Os homens tornam-se assim, continua este autor (p. 13), “estrangeiros na esfera na qual eles são chamados a viver”. E do mesmo modo Joffre Dumazedier observa: “Muito mais rápido do que antes, a verdade transforma-se em preconceito, a eficácia em rotina, a beleza em molde padrão e a ética em dogmática. Isto deixa uma dúvida crescente sobre a pertinência da cultura herdada dos séculos passados e transmitida pela escola ou pela universidade” (“L’éducation permanente et le système de l’éducation en France”, 1972, p. 181)”. Reconheçamos, há como que uma reversão de perspectiva entre a temporalidade do homem e a do mundo. O homem da tradição é um “transeunte”, cuja vida se escoa, vulnerável, em meio a uma paisagem imutável, na qual reside toda sabedoria. Com a irrupção da “modernidade”, é a paisagem, ao contrário, que se transforma e se desfaz diante de nós numa rapidez sempre crescente. Em quê o mundo muda, por quê, e em quais direções? Para a maior parte dos analistas, é do lado da técnica que é necessário buscar a explicação, é ela que constitui a variável chave cuja evolução comanda todas as outras. Mas fenomenologicamente, para aquele que, aqui e agora, realiza a experiência da transformação do mundo, o que conta é o próprio fato da mudança, esta aceleração, esta dinâmica de extravasamento, de esgotamento e de impaciência que parece tornar a adaptação cada dia mais improvável e a memória cultural cada dia mais saturada.

Mas pode-se dizer também que a modernidade consiste menos em sofrer esta subversão perpétua de todas as referências e de todos os modelos (como sublinha-o à saciedade, desde os anos 60, um discurso que poderia também ele estar já ameaçado pelo desgaste) do que em desejá-la e erigi-la em valor supremo. Sabe-se, por exemplo, que para um epistemólogo como Karl Popper (1959) um procedi­mento autenticamente científico não pode ter por objetivo senão destruir as evidências anteriores, refutar as teorias existentes e construir teorias novas que são irrevogavelmente condenadas a ser por sua vez um dia refutadas. Assim pode-se dizer que a ciência, saber eminentemente cumulativo e que progride sempre sobre a base de aquisições anteriores, é ao mesmo tempo estruturalmente “amnésica”, já que inteira e incessantemente absorvida pela luta contra sua própria obsolescên­cia. Aliás, conhece-se toda a importância da temática da renovação das formas e da transgressão criadora no discurso de fundação e de legitimação da modernidade em matéria intelectual e artística. “Se se interpreta por tradição”, escreve Jean Clair (Considémtions sur Vétat des beaux-arts, 1983, p.28), “a transmissão mais completa e mais fiel possível, de uma geração a outra, de um certo conjunto constituído de modelos formais e ideológicos, de um corpus de crenças e de estilos, todo enfraquecimento na transmissão abala a tradição. Ora, o fato novo, a partir do momento em que a modernidade institui-se como critério de julgamento de gosto, é que a mudança torna-se a pedra de toque do projeto criador. Será criador aquilo que rompe com o passado.” Assim, comenta Marc Froment-Meurice, o homem moderno não é mais o homem que sofre a ruptura entre o passado e o presente, entre o antes e o depois, mas o homem que carrega em si mesmo a ruptura como o objeto mesmo de sua vontade. Neste sentido a modernidade é uma escolha, uma decisão, uma construção, uma exigência de “auto-liberação”, ou antes a exigência de poder decidir de maneira soberana e constantemente revogável suas referências, pois, aqui, “o princípio da avaliação, a instância do crivo, o poder crítico, então, não é nunca recebido como o era a autoridade ’’tradicional”, ele se elabora no próprio interior da modernidade e como esta modernidade" (“Moder- nité, Absolument”, Le temps de la réflexion, 1985, p. *145). Observemos entretanto que, desde que ela se cristaliza por sua vez numa “cultura”, a exigência modernista desenvolve um paradoxo que expressa muito bem a noção proposta por H. Rosenberg (1959) de “tradição do novo”. “Com o tempo”, escreve Jean Clair (op.cit., p.28), “a negação da tradição, tornada pesquisa do novo, do singular e da surpresa, termina por instituir-se por sua vez em tradição: há uma continuidade do projeto iconoclasta que, na repetição de suas manifestações, institui-se, no final das contas, como tradição da ruptura.” Daí o caráter insidiosamente auto-destrui- dor do modernismo, e os sintomas de asfixia, até mesmo de esgotamento, destacado atualmente por alguns analistas, como Octavio Paz (1976), Daniel Bell (1976), Jacques Ellul (1981) ou Gilles Lipovetsky (1983).

Existe assim uma espécie de incompatibilidade estrutural entre o espírito de modernidade e a justificação da educação como tradição q transmissão cultural. Hannah Arendt formula esta contradição em termos particularmente fortes quando ela observa que a educação, que por natureza supõe a autoridade e a tradição, deve se exercer hoje num mundo que não está mais estruturado pela autoridade nem contido pela tradição. A intenção educativa encontra-se assim como que paralisada, esvaziada antecipadamente de toda pertinência e de toda legitimidade. E no entanto a continuação do mundo é uma necessidade absoluta, que supõe que as novas gerações substituam as gerações antigas e se reconheçam numa herança. Esta exigência categórica significa que não podemos nos satisfazer com um discurso pedagógico puramente “instrumentalista”, que atribuiria como único alvo para a educação formar espíritos ágeis e personalidades adaptáveis, capazes de respostas “flexíveis” e preparadas para qualquer eventualidade. Do mesmo modo, se a autonomia da pessoa é um fim em si, incondicionalmente desejável, uma pedagogia que pretendesse apoiar ou favorecer esta autonomia com base numa negação do imperativo da cultura, isto é, pretendendo liberar a criança de toda submissão a uma ordem humana de saberes, de símbolos e de valores anterior e exterior a ela, só poderia conduzir a conseqüências derrisórias ou devastadoras. Temos de reconhecê-lo: a reflexão pedagógica contemporânea não poderia contornar a questão da modernidade nem se resignar em fazer a apologia da amnésia, pois só uma visão extremamente superficial e prematura da modernização do mundo pode nos fazer aderir ao mito do efêmero e rejeitar, como um fardo, nosso pertencimento à memória.

II. A reflexão sobre o currículo e a cultura na Grã-Bretanha

Se o presente trabalho inscreve-se explicitamente no contexto geral de uma problemática de reflexão sobre a escola e a cultura como a que foi anteriormente esboçada, um objeto mais preciso, entretanto, é-lhe designado, que é o de explorar e de apresentar de maneira sintética e crítica uma parte da literatura recente publicada na Grã-Bretanha sobre esta questão. Trata-se aqui, mais precisamente, de interrogar-se sobre a contribuição própria que aqueles a quem se chama neste país de teóricos e de sociólogos do “currículo” trouxeram desde o começo dos anos 60 ao desenvolvimento da reflexão sobre as dimensões e as implicações

culturais da escolarização na sociedade atual. A escolha de tal campo de investigação exige algumas justificativas e comentários.

1) É principalmente a originalidade, a qualidade, a riqueza desta literatura britânica sobre o currículo e seu caráter quase completamente desconhecido (falta de traduções disponíveis) nos países de língua francesa que parecem evidentemente poder justificar uma pesquisa como a que é aqui apresentada. Por razões que se podem supor ligadas em parte à existência histórica de profundas divisões culturais entre as classes sociais (aspecto sublinhado em particular por J. Karabel e A.H. Halsey, 1977, p.47), confirma-se que a questão da definição da cultura, de suas condições de desenvolvimento e de sua significação enquanto realidade objetivável ou enquanto ideal de perfeição do espírito constitui, ao menos desde o início do século XIX, um objeto de discussão e um debate filosófico e político muito importante entre numerosos intelectuais britânicos (cf. R. Williams, 1958, L. Johnson, 1979), e que, em particular, o debate sobre a educação dá lugar, freqüentemente, neste país, a uma interrogação sobre a natureza dos conteúdos cognitivos e culturais suscetíveis de serem incorporados aos programas escolares e sobre a diferenciação possível destes conteúdos (ao mesmo tempo que das formas de organização escolar) em função das diferentes categorias de públicos aos quais o ensino se dirige. Isto parece particularmente evidente no período recente, aquele posterior a 1960, marcado por importantes mudanças sociais e profundas mutações culturais, bem como por grandes transformações no interior do mundo escolar (com o prolongamento da escolaridade obrigatória, aumento do número de pessoas escolarizadas, desenvolvimento das “comprehensive schools”, estabelecimentos secundários tendo por vocação acolher sem seleção nem discriminação todos os alunos após a saída do primário, a renovação dos conteúdos e dos métodos de ensino, a renovação do corpo docente). Parece que ao longo deste período a pesquisa empírica e a reflexão teórica sobre a educação tinham conhecido um impulso absolutamente excepcional, do qual testemunham em particular a produção de grandes relatórios de excelente qualidade sobre a educação, financiados oficial­mente, e sobretudo a abundância de obras de alto padrão publicadas no contexto de coleções especializadas e a fundação de novos periódicos científicos importantes tais como o Journal of Curriculum Studies, o British Journal of Sociology of Education, o Journal of Philosophy of Education, a Oxford Review of Education. Em todos os casos, é a pluralidade de orientações temáticas, metodológicas e teóricas que impressiona o leitor estrangeiro, bem como o caráter abertamente contraditório de um debate científico onde a recusa de toda complacência e a ausência evidente de consenso ideológico podem se acompanhar de uma sólida tradição de tolerância. A existência deste verdadeiro “mercado científico interna­cional” constituído pelo conjunto dos países de língua inglesa explica em parte a abundância, a vitalidade, a diversidade desta literatura, o fato de que existe um número tão grande de centros de pesquisa em educação, de publicações e de editoras especializadas e também o fato de que a variedade dos conteúdos e das



orientações acompanha-se de uma grande homogeneidade na qualidade e mesmo na apresentação a qual parece obedecer (tanto nas revistas quanto nos livros) a critérios de avaliação constantes e rigorosos (expressões de uma “ciência interna­cional” que se quer também uma “ciência normal”, ao menos no que se refere aos seus modos formais de exposição e de legitimação). Mas esta vitalidade explica-se sem dúvida também por razões históricas, pela existência de uma tradição de pensamento científico antigo e potente.

As publicações que, na Grã-Bretanha, ao longo deste quarto de século (aproxi­madamente, o período de 1960-1985), podem ser consideradas como tendo trazido uma contribuição significativa ao debate sobre a escola e a cultura ultrapassam muito evidentemente o campo do que se pode chamar de teoria ou sociologia do currículo. Na verdade uma distinção pode ser estabelecida entre aquelas que se ligam mais ao estudo dos fatores e determinantes extra-escolares da educação escolar (a família, os meios de comunicação, a estrutura econômica e social) e aquelas centradas mais na própria escola, nos processos de ensino, nos conteúdos dos programas, nos modos de estruturação, de legitimação, de transmissão da “cultura escolar”. É esta segunda orientação (ilustrada principalmente no interior do que se designa nos países anglo-saxões com o nome de “curriculum studies” ou “curriculum theory”) que será focalizada aqui, porque ela parece sem dúvida a mais original, a que tem menos equivalente no campo francófono e a que é portadora das promessas mais interessantes de renovação das perspectivas de reflexão e de pesquisa.

2) Que se deve entender precisamente por “currículo”, “sociologia do currí­culo”, “teoria do currículo”? Sabe-se que este termo, “currículo”, não é muito aceito no vocabulário francês da educação e que se prefere geralmente o de “plano de estudos”, ou de “programa de estudos”. Esta eqüivalência é, entretanto, muito aproximativa: ela não dá conta da riqueza semântica e da multiplicidade de usos do termo inglês. Na verdade a palavra inglesa “curriculum” designa menos uma categoria específica de objetos pertencentes à esfera educativa (tais como os programas escolares, para os quais o inglês dispõe do termo mais técnico de “syllabuses”) do que uma abordagem global dos fenômenos educativos, uma maneira de pensar a educação, que consiste em privilegiar a questão dos conteúdos e a forma como estes conteúdos se organizam nos cursos.

Um currículo escolar é primeiramente, no vocabulário pedagógico anglo-saxão, um percurso educacional, um conjunto contínuo de situações de aprendizagem (“learning experiences”) às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um dado período, no contexto de uma instituição de educação formal. Por extensão, a noção designará menos um percurso efetivamente cumprido ou seguido por alguém do que um percurso prescrito para alguém, um programa ou um conjunto de programas de aprendizagem organizados em cursos. O OxfordEnglish Dictionary define neste sentido o currículo como “a regular course ofstudy, as at a school or university Esta idéia de organização deliberada no contexto de uma instituição de tipo escolar aparece fortemente nas definições dos anos 60. Assim John Kerr (1968) define o currículo como “toda aprendizagem organizada ou conduzida pela escola, que se efetua no contexto de um grupo ou de maneira individual, no interior ou no exterior da escola”. No contexto das teorias do “curriculum development” (isto é, dos processos metódicos de elaboração e de execução dos programas e cursos de ensino), esta idéia de organização deliberada inscreve-se numa abordagem “tecno­lógica” da educação, a qual privilegia a pesquisa de objetivos operacionais e avaliáveis e a execução de meios racionais com vistas a atendê-los, como se vê entre numerosos autores americanos dos anos 60. No mesmo espírito, o filósofo Paul Hirst (1968) define o currículo como “um programa de atividades dos professores e dos alunos, concebido de maneira a que os alunos alcancem na medida do possível certos fins ou certos objetivos educativos”.

Outros autores contudo insistirão menos no aspecto prescritivo e intencional do currículo do que nos resultados efetivos de sua execução, isto é, no que acontece realmente aos alunos, no plano cognitivo, mas também no plano afetivo e social, devido ao ensino que eles recebem e a sua experiência de escolarização. Como o sublinha Lawrence Stenhouse (1975, p.2), há certamente uma diferença importante de ênfase entre esta definição e as precedentes: não seria o mesmo definir o currículo como um programa de estudos ou de aprendizagem regularmente prescrita por uma instituição de educação formal e defini-lo como aquilo que acontece objetivamente ao aluno como resultado da escolarização enquanto expe­riência vivida. E assim que alguns autores (cf. R. Dale, 1977) utilizarão a noção de “currículo oculto” ou “programa latente” (“hidden curriculum”) para fazer sobressair bem a diferença entre o que é explicitamente perseguido pela escola e o que é efetivamente realizado pela escolarização enquanto desenvolvimento das capacidades ou modificação dos comportamentos nos alunos. O “currículo oculto” designará estas coisas que se adquirem na escola (saberes, competências, repre­sentações, papéis, valores) sem jamais figurar nos programas oficiais ou explícitos, seja porque elas realçam uma “programação ideológica” tanto mais imperiosa quanto mais ela é oculta (como o sugerem por exemplo as abordagens “críticas radicais” como as de Illich ou dos teóricos da “reprodução”), seja porque elas escapam, ao contrário, a todo controle institucional e cristalizam-se como saberes práticos, receitas de “sobrevivência” ou valores de contestação florescendo nos interstícios ou zonas sombrias do currículo oficial. Se é verdade, como destaca A. Kelly (1982, p.9), que os teóricos e práticos do currículo não podem ignorar este aspecto profundo da realidade escolar, pode-se entretanto questionar, com Robin Barrow (1984, p. 10), se uma tal extensão da palavra “currículo” não acaba por fazer com que perca toda especificidade semântica. Reconhecer que o ensino tem sempre também efeitos intencionais (e por vezes “perversos”) é uma coisa, querer dar às palavras um sentido preciso e operatório é outra coisa. Para Barrow, o conceito de currículo deve excluir a noção de “currículo oculto”, se quisermos ser claros e coerentes. É por isso que este autor declara preferir a definição bastante restritiva de Paul Hirst, antes citada.

Como destaca Denis Lawton (1981, p. 111), existe entretanto uma outra perspectiva possível na teoria do currículo, além desta abordagem em termos de objetivos inspirada por uma preocupação “operacional”: trata-se da abordagem em termos de cultura, da abordagem a partir dos contextos culturais no interior dos quais emergem e se institucionalizam os currículos. Ocorre que toda aprendi­zagem passa pela aquisição, pela assimilação de certos conteúdos. “O currículo está no centro do empreendimento educativo", escrevem P.H. Taylor e C. Richards (1979, p. 11), “é o meio pelo qual o ensino se cumpre. Sem um currículo o ensino não teria veículo nenhum através do qual transmitir suas mensagens, encaminhar suas significações, transmitir seus valores.” Para estes dois autores, é pelo currículo e enquanto currículo que o ensino se realiza como transmissão de alguma coisa, ao mesmo tempo que como programa de formação que se dirige a alguém. E por isso que eles sugerem uma possível equivalência entre o conceito de currículo e a noção de conteúdos de ensino. E de fato pode-se considerar que a originalidade das teorias do currículo no interior das ciências da educação reside nesta abordagem “via conteúdos”. Uma teoria do currículo é uma teoria da educação considerada como empreendimento de transmissão cognitiva e cultural (mais do que, por exemplo, como instrumento de desenvolvimento econômico, dispositivo de aloca­ção de status sociais, aparelho de socialização, embora estes aspectos não sejam de modo algum excludentes uns dos outros). O que quer dizer que uma teoria do currículo supõe sempre levar em consideração o que se passa no interior da “caixa preta” das salas de aula e das escolas e não apenas o que se passa na entrada e na saída. “O que se passa no interior” pode ser tomado como um conjunto de processos interacionais entre os indivíduos que ocupam diversas posições institu­cionais e sociais, e pode advir daí uma descrição em termos de sociologia das interações ou de sociologia das organizações. Uma teoria do currículo supõe, contudo, adotar um ponto de vista mais de acordo com aquilo que constitui a especificidade das instituições de ensino, a saber, o fato de serem por destinação lugares de transmissão e de aquisição de conhecimentos, de capacidades e de hábitos. Isto quer dizer que os processos organizacionais ou interacionais no interior da instituição escolar não importam para a teoria do currículo senão em referência a este jogo educacional e cultural constituído pela estruturação e pela circulação do saber, pela constituição e pela transmissão de conteúdos cognitivos e simbólicos. E por isso que a reflexão sobre o currículo desemboca freqüente­mente, entre os atuais teóricos britânicos, numa reelaboração da problemática cultural da educação.

Em Primitive Culture, Tylor (1871), pioneiro da antropologia científica anglo- saxã, definia a cultura como “este todo complexo que inclui os saberes, as crenças, as artes, a moral, as leis, os costumes e outras capacidades adquiridas pelo homem enquanto membro da sociedade”. Mais recentemente, Parsons (1952) insistia no



fato de que aquilo que é próprio da cultura é dar lugar à transmissão social (“culture is transmitted”), supor um trabalho de aprendizagem (“it is learned”), poder ou dever ser compartilhada (“shared”). Como destaca L. Stenhouse (1975, capítulo 2), estão igualmente aí características que tornam o conceito de cultura diretamente pertinente para uma teoria do currículo. O currículo, escreve por seu lado P.W. Musgrave (1972), constitui na verdade “um dos meios essenciais pelos quais se acham estabelecidos os traços dominantes do sistema cultural de uma sociedade”, no mínimo pelo papel que ele desempenha na gestão do estoque de conhecimentos de que dispõe a sociedade, sua conservação, sua transmissão, sua distribuição, sua legitimação, sua avaliação. Entre os principais processos e procedimentos graças aos quais o currículo contribui para esta gestão social dos saberes, vários autores atribuem uma importância capital aos fenômenos de seleção. “Como se efetua a seleção constitutiva de um currículo, como um conjunto de conhecimentos pode ser selecionado a partir de um número quase ilimitado de combinações possíveis?” pergunta John Eggleston (1977, p.22). Do mesmo modo, seguindo Raymond Williams (1961), Denis Lawton define o currículo escolar como o produto de uma seleção no interior da cultura de uma sociedade. “Alguns aspectos de nosso modo devida”, escreve ele (1975, p.6), “alguns tipos de conhecimentos, algumas atitudes e valores são considerados, com efeito, como se revestindo de importância suficiente para que sua transmissão à geração seguinte seja deixada ao acaso em nossa sociedade, sendo, por isto, confiada a profissionais especialmente formados (os professores) no contexto de instituições complexas e onerosas (as escolas). Nem tudo o que constitui uma cultura é considerado como tendo tal importância, e de todo modo dispõe-se de um tempo limitado; em conseqüência, uma seleção é necessária. Diferentes escolas podem fazer diferentes tipos de seleções no interior da cultura. Os professores podem ter hierarquias de prioridades divergentes, mas todos os professores e todas as escolas fazem seleções de um tipo ou de outro no interior da cultura”. “Proponho”, escreve ainda Lawton, “utilizar o termo currículo para designar tais seleções feitas pelas escolas no interior da cultura. E o modo no qual as prioridades são decididas e postas em prática será descrito sob o nome de processo de organização do currículo” (“curriculum planning”).

3) A luz das considerações anteriores, parece que todo estudo sobre a contri­buição dos teóricos do currículo ao desenvolvimento da reflexão e do debate sobre a escola e a cultura deve conceder um lugar importante às contribuições de caráter propriamente sociológico. De fato, os capítulos 3, 4 e 5 do presente livro (isto é, sua segunda parte) serão dedicados principalmente às contribuições originais do que se chamou na Grã-Bretanha nos anos 70 de “nova sociologia da educação”, porque é tipicamente uma sociologia do currículo, uma sociologia centrada na questão dos determinantes e dos fatores (culturais, sociais, políticos) dos processos de seleção, de estruturação e de transmissão dos saberes escolares. Na Grã-Breta­nha, o debate sobre o currículo e a cultura ultrapassa, contudo, amplamente, o círculo dos sociólogos. Ele atinge também, e sem dúvida desde há muito tempo, aqueles que se poderia chamar de teóricos “normativos” da educação, aqueles que se interessam pelas doutrinas pedagógicas ou pelos problemas de política educativa na perspectiva de uma filosofia geral do conhecimento, da cultura ou da vida política e social. É por isso que os capítulos 1 e 2 do presente estudo (sua primeira parte, caso se coloque de lado o capítulo de introdução) apresentarão três contribuições muito contrastantes em suas respectivas ênfases doutrinais, mas que, todas as três, constituem igualmente ilustrações características da ligação que pode existir, num nível profundo, entre teorias da educação e teorias da cultura. Tratar-se-á, com efeito, do pensador socialista Raymond Williams (“intelectual literário” vindo para a sociologia da cultura e teórico original da democracia cultural e do “currículo comum”), do teórico da educação neo-conservador G.H. Bantock (“intelectual literário” também ele, vindo para posições radicalmente “diferencialistas” e anti-igualitárias em matéria de educação, a partir de uma reflexão sobre a cultura) e enfim do filósofo racionalista (inspirado pela tradição “analítica”) Paul H. Hirst (que busca na epistemologia as bases de um currículo de estudos “liberais” universalmente aceitável). Se estes autores podem parecer efetivamente inconciliáveis, poder-se-á ver também que cada um deles propõe uma teoria “forte”, bem argumentada, que desemboca em interrogações culturais fundamentais. Enfim, nos dois capítulos da última parte, retomar-se-ão alguns temas e problemas que foram abordados de maneira mais difusa nos desenvolvi­mentos precedentes. Tratar-se-á essencialmente do debate sobre as desigualdades educativas, os desafios do pluralismo cultural e da questão do “currículo comum” e do debate teórico, epistemológico e pedagógico em tomo da questão do relativismo e do racionalismo. Concluindo, interrogar-se-á, à luz das contribuições antes citadas, sobre o lugar que pode ser dado hoje ao conceito de cultura no interior da teoria da educação. Longe de qualquer triunfalismo cientificista ou “sociolo- gista”, sublinhar-se-á a irredutibilidade do “conflito de interpretações” entre o pensamento propriamente pedagógico, fundamentalmente prescritivo e inseparável de uma imagem normativa do homem, e o pensamento sociológico, cuja tomada de posição em favor da objetividade pode ter implicações “deslegitimadoras”. Assim seremos levados a considerar a razão sociológica e a razão pedagógica como duas ordens de discurso, um e outro legítimos e sem dúvida necessários, mas fundamentalmente irredutíveis um ao outro, e condenados sem cessar a coexistir conflitualmente no campo plural das ciências da educação.

Notas

1. Sobre este tema, cf. também duas contribuições anteriores, das quais várias formulações do presente parágrafo são extraídas (J.C. Forquin, 1984 a, 1985).

2. Sobre a educação permanente como ideologia da modernidade, cf. um trabalho anterior dedicado a analisar publicações da UNESCO (J.C. Forquin, 1978).