terça-feira, 31 de março de 2015

Os 25 melhores filmes sobre a infância

https://palavrasdecinema.wordpress.com/2014/05/02/os-25-melhores-filmes-sobre-a-infancia/  

https://palavrasdecinema.wordpress.com


Esse doce período da vida, no cinema, nem sempre foi fácil. Jovens esbofeteados, marginalizados, largados pelos pais – às vezes com tudo ao mesmo tempo. Os filmes abaixo captam a infância como ela é: longe dos contornos belos que Hollywood tentou perpetrar em alguns clássicos, distante da eterna bondade à qual os pequeninos sempre são associados. Veja qualquer um deles e encontre um grande filme. À lista.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Dissertação - Centro de Educação Física e Desportos - Filipe Guidetti - recorte para entender melhor Andreas Trebels


http://www.cefd.ufes.br/sites/www.cefd.ufes.br/files/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Filipe%20Guidetti.pdf 

Betti (1996, p. 114) chega à conclusão semelhante: Já dissemos que a concepção científica provocou mudanças importantes na área, ao deslocar o foco tradicional da Educação Física. Como superar suas limitações? Fomos às ciências e à filosofia, mas se lá ficarmos seremos fisiólogos, sociólogos, etc. Em Betti (1994b) já apontamos a necessidade de „fazer o caminho de volta‟, e refocalizar a Educação Física na sua dimensão de práxis, subsidiado agora pelos conhecimentos científicos e filosóficos, vistos agora não como respostas/soluções para a prática, mas como dados que tornam os problemas da prática mais claros, porque vistos sob novos ângulos. Estamos propondo que, em vez de Ciência, passemos a falar numa „Teoria da Educação Física‟. Estou me referindo a uma teoria científica da Educação Física, que sistematiza e critica conhecimentos científicos e filosóficos, recebe e envia demandas à prática e às Ciências/Filosofia. A Teoria da Educação Física é concebida como um campo dinâmico de pesquisa e reflexão.

Há, portanto, um contexto favorável à necessidade de se construir uma fundamentação teórica para a EF como prática de intervenção (ou, pelo menos, uma crença compartilhada na necessidade de fundamentação). É nesse contexto que se insere a Teoria do “se-movimentar” Humano (TSMH), nosso “objeto” de estudo.

A TSMH foi desenvolvida pelo alemão Andreas Heinrich Trebels e difundida no Brasil pelo professor Elenor Kunz, após o seu programa de doutoramento, sob a orientação do professor Trebels, na Alemanha. Trebels é alemão, doutor em Filosofia pela Universidade de Bonn, foi professor titular em Ciências do Esporte da Universidade de Hannover e hoje está aposentado. Foi o orientador no doutoramento do professor Kunz, tese que acabou se transformando no livro “Educação física: ensino & mudanças” (na sua quarta edição em 2004). O artigo “A concepção dialógica do movimento humano: uma teoria do se movimentar‟”, que vamos tomar em análise como apresentação da TSMH por Trebels, faz parte da última etapa do estágio de pesquisador visitante de Kunz na Alemanha e também do intercâmbio (científico, cultural e pedagógico) que envolveu pesquisadores do Brasil e desse país, e que resultou no livro “Educação Física crítico-emancipatória: com uma perspectiva da pedagogia alemã do esporte”, cujos organizadores são Kunz e Trebels. Este último atua nas áreas: Teorias do Movimento Humano; Filosofia do Esporte e da Educação Física; Didática da Educação Física. Podemos ver que uma conceituação sobre o corpo/movimento humano, tal qual é oferecida pela TSMH, fornece parâmetros para que os professores compreendam as imagens que fazem de seus alunos ao analisá-los em movimento (em situação de aula). Ou seja, coloca-se potencialmente como possibilidade de fundamentação de uma teoria da EF. Como possível elemento fundamentador de uma teoria pedagógica para a EF brasileira, a TSMH ainda não foi alvo do debate epistemológico (e do debate acadêmico, em geral) no campo da EF, como o próprio Kunz reconhece em entrevista concedida em 29-11- 2010: Como eu falei, eu entrei mais nesse campo da educação e esses estudos do movimento humano [...] me envolveram bastante. Eu achava, e acho até hoje, que é um dos estudos mais importantes de se fazerem. Que eu fui fazer, que eu trouxe, mas que inicialmente não tive muita receptividade. Não me questionaram. Eu criei a palavra „se-movimentar‟ porque eu queria criar uma palavra para significar os sujeitos autores, atores que se movimentam. A única coisa de análise crítica que eu recebi muitas vezes foi de que o português está errado. Teria que ser "movimentar se". Mas, fora isso, mais ninguém. Então eu mesmo deixei um pouco de lado esses estudos, e aí, com o tempo, eu fui percebendo a necessidade de retomar isso.



2.1 A TSMH DE TREBELS Como já dissemos, não tomamos a obra de Trebels em análise por conta do idioma: a maioria dos textos desse autor não tem tradução do alemão. Além disso, não há circulação de muitos textos de Trebels no campo acadêmico da EF no Brasil. Tivemos acesso a apenas três artigos de Trebels (dois publicados em revistas e um capítulo de livro): “Plaidoyer para um diálogo entre teorias do movimento humano e teorias do movimento no esporte”, de 1992;

“Uma concepção dialógica e uma teoria do movimento humano”, de 2003; “A concepção dialógica do movimento humano: uma teoria do se-movimentar”, de 2006. Trebels (1992) mostrava acreditar no diálogo – como algo “irrenunciável”16 – entre teorias sobre o movimento humano (o que estava em questão era a crítica à concepção de movimento nos esportes). A maior diferença desse texto para os outros dois é justamente essa aposta no diálogo. O diálogo não deve conduzir a uma superação completa das perspectivas teóricas existentes.17 No entanto, “[...] também deverá ser, certamente, colocado em discussão a abrangência dos resultados científicos e a sua transferência ao contexto exterior à própria pesquisa, por exemplo, na prática dos esportes” (TREBELS, 1992, p. 338, grifo nosso). Trebels (2006, p. 24), assim como nos outros textos, procura mostrar como a abordagem das ciências naturais é insuficiente para “[...] esclarecer comportamentos e expressões corporais humanas”. E é por isso que procura “[...] verificar [...] quais foram os conceitos e as representações teóricas desenvolvidas para melhor compreender o movimento humano” (TREBELS, 2006, p. 24, grifo nosso). Como o texto de 2003 é praticamente o mesmo texto de 2006 (muda pouca coisa, o de 2006 é mais detalhado), optamos por ficar com a apresentação da TSMH feita por Trebels no texto de 2006. A Teoria do “se-movimentar” humano parte do conceito de “movimento próprio” de Weizsäcker, Christian e Buytendijk e, principalmente, da Concepção Dialógica do Movimento Humano, desenvolvida por Gordijn e, depois, por Tamboer. É necessário salientar que é grande a influência de Merleau-Ponty, a partir de sua “Fenomenologia da percepção”, na gênese da TSMH. Weizsäcker é um teórico ligado à Gestalt que procura entender a inserção do sujeito na Biologia. Outros dois autores que fazem parte da gênese da TSMH também estão ligados à Gestalt: Christian e Buytendijk. Christian traz a ideia da aprendizagem de movimentos via “consciência de valor ao fazer”. Já Buytendijk contribui ao 

elucidar a diferença entre processo e função na teoria do movimento humano. Gordijn e (depois) Tamboer têm como grande influência a fenomenologia francesa e, principalmente, a “Fenomenologia da percepção” de Merleau-Ponty. Podemos ver que a base teórica da TSMH é eminentemente fenomenológica. 18 O objetivo do artigo, que apresenta as principais características dessa teoria, é elaborar um quadro teórico para uma melhor compreensão do movimento humano em contraste à crítica ao paradigma empírico-analítico, que é feita também ao longo do artigo. Para Trebels (2006), esse paradigma tem bastante eco na interpretação que as Ciências do Esporte fazem sobre o movimento humano. Segundo o autor, trata-se de uma interpretação técnica. Nessa interpretação do movimento humano, seriam valorizadas a “[...] sobrepujança, geralmente medida quantitativamente [e a] [...] objetivação das condições sob as quais o desempenho esportivo pode ser legitimamente realizado” (TREBELS, 2006, p. 36). Essa última característica garantiria que o que fosse produzido pelo indivíduo seria “[...] avaliado por critérios de validade reconhecidos” (p. 36). O autor quer dizer que o esporte é o lócus privilegiado para essa interpretação do movimento humano oriunda do paradigma empírico analítico. Trebels (p. 37) diz que as Ciências do Esporte [...] oferecem conhecimentos essenciais para o desenvolvimento de qualidades físicas básicas para desempenhos antes impensáveis e para preparar atletas para a realização de movimentos antes considerados impossíveis. A Fisiologia do Esforço, a Ciência do Treinamento, as Ciências do Movimento Humano são, nesta perspectiva, teorias instrumentais que incorporam a Bioengenharia aos seres humanos. Elas seguem o paradigma empírico-analítico, apoiando-se nas leis da natureza e que podem ser aplicadas ao ser humano (como parte da natureza). Essa caracterização, proveniente das ciências naturais, preocupa-se em explicar o movimento humano a partir de sua natureza física. Devido à hegemonia do paradigma 

empírico-analítico na análise do movimento humano, Trebels (2006) elenca os seguintes problemas:19 - Trata-se de uma abordagem “totalizadora” (p. 23) e “hegemônica” (p. 38). - Por ser estritamente objetiva, é reducionista. “Quem, por exemplo, tomar o corpo humano na sua objetivação meramente somática – o que é uma premissa do trato científico que se orienta pela perspectiva empírico-analítica – deve, obrigatoriamente, desconsiderar a relação ser humano-mundo, proposta por Merleau-Ponty, e, por isso, restringe seu objeto de pesquisa a uma perspectiva muito limitada de ser humano” (TREBELS, 2006, p. 39). Isso fica claro em um exemplo utilizado por Trebels para demonstrar uma experiência de extensão do tempo. Trata-se da percepção de uma aluna acerca do tempo que levou para realizar o salto reversão com o apoio das mãos sobre um plinto baixo. O argumento central é que o movimento e a percepção criam um tempo-espaço para realização do movimento, e se isso é ignorado, ignoramos como o movimento “realmente” acontece: - Mortificação e mecanização do ser humano em movimento. Envolve a formulação de leis naturais baseadas no princípio da causalidade. Não é sem motivo que os movimentos devem ser passíveis de reconstrução mecânica nas Ciências do Esporte. “Movimentos esportivos bem-sucedidos – geralmente os dos campeões mundiais, dos grandes atletas – não se desenvolvem de forma intuitiva, mas exigem o controle biomecânico da reconstrução mecânica” (TREBELS, 2006, p. 31-33). Isso acaba se configurando como um problema, porque o movimento surgiria independentemente da possibilidade de reconstrução mecânica. As próprias regras de realização do movimento surgem a partir da sua efetivação. A compreensão do movimento como processo – “[...] grupos de fenômenos em suas leis naturais, conectados em um tempo determinado como uma série de acontecimentos isolados” (BUYTENDIJK, 1956, p. 7, apud TREBELS, 2006, p. 32) – em que “[...] os biomecânicos equiparam-se a engenheiros – [ocasiona justamente a] [...] mortificação do organismo vivo” (TREBELS, 2006, p. 32). Trata-se de conhecimento baseado no “como funciona” das coisas.  

quinta-feira, 26 de março de 2015

Realização de Clínicas Esportivas da Prefeitura de Cuiabá



Nossos Filhos Nos Acusarão - Docverdade.------ Edson, a pedido durante conversa em aula. Entre no site que verá outros documentários.

http://docverdade.blogspot.com.br/2013/10/nossos-filhos-nos-acusarao-nos-enfants.html

 / Nos Enfants Nous Accuseront (2008)



Nos enfants nous accuseront.(Nuestros hijos nos acusarán). from Gurgue on Vimeo.


(França, 2008, 108 min. - Direção: Jean-Paul Jaud)

No Mundo inteiro os casos de câncer e outras doenças advindas da alimentação estão crescendo em escala alarmante. E é comprovado que quanto mais contato há com defensivos e adubos químicos, maior o risco.
O documentário "Nossos Filhos Nos Acusarão" não só revela o drama de se ter uma criança sofrendo de câncer herdado dos agrotóxicos, mas também mostra todo o estrago que faz esse modo de produção  onde se contamina as águas subterrãneas e dos rios, onde se retira a vida do solo, onde se consome energia para transportar esses alimentos, onde se põe a humanidade num caminho destinado à morte.

Diante de tudo isso, o prefeito de uma pequena cidade francesa, decide que a merenda escolar deverá ser orgânica, enfrentando interesses de grandes corporações e a cultura química disseminada por ela, traçando uma trajetória de consciência junto aos cidadãos e os agricultores locais.

Quando falamos que produto agroindustrial é mais barato que um orgânico, não estamos levando os custos externalizados, como a desertificação dos solos, da contaminação da água e do ar, e principalmente da saúde das crianças. (docverdade).



Download:
Para se assistir num aparelho de TV ou num mídia Player, o filme pode ser baixado em melhor qualidade diretamente do Youtube (Filme Original em HD), utilizando-se plugins (tipo downloadhelper, no Firefox) e as legendas sincronizadas para vídeo estão aqui: Legendas pt-br.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Buytendijk

http://www.rascunhodigital.faced.ufba.br/ver.php?idtexto=492

Na Alemanha tem influencia muito significativa na resposta a estas questões, as contribuições teóricas de Andréas Trebels (1992), bem como, dos holandeses Buytendijk (1956), Gordjin e Tamboer (1979)  sobre o movimento humano e sua utilização pedagógica. Os autores fundamentam suas posições na filosofia fenomenológica destacando a dimensão dialógica do movimentar-se, o que significa dizer que existe uma relação dialógica entre ser humano e mundo e que é nesta relação que o homem constitui verdadeiramente sua visão de mundo, ou seja, seu entendimento das coisas, dos outros e de si próprio. O movimento humano passa a ser, ao lado do falar e pensar, a mais importante forma de manifestação homem-mundo. Movimentar-se como diálogo passa a ser assim um “compreender-o-mundo-pelo-agir” (Tamboer, 1979). Esta concepção dialógica do movimento é concebida como um “se-movimentar” em que a característica antropológica é destacada e não a caracterização biológica e mecânica como em geral o movimento humano é compreendido. O “se-movimentar” é o movimento vivo e para compreender este movimento é indispensável se referir: ao sujeito do movimento; a uma situação concreta na qual se vincula o movimento; aos sentidos/significados, guias indispensáveis do movimento e que irão ressaltar sua estrutura básica para a compreensão das ações.

VISÃO PEDAGÓGICA DO MOVIMENTO

Reiner Hildebrandt


A intenção deste artigo é determinar mais detalhadamente uma compreensão c concepção de movimento, ligada a uma visão didática da Educação Física aberta às experiências - cf. Grupo de Trabalho Pedagógico UFPE-UFSM, 1991; Hildebrandt 1990, 1991.

Segundo Buytendijk (1956), na teoria de movimento humano podem ser identificados dois paradigmas diferentes:

1.       O paradigma das ciências naturais
2.      O paradigma da reflexão fenomenológica do movimento.
1.       A visão científica natural do movimento - uma visão antipedagógica.

A reflexão científica natural do movimento define este como um deslocamento de um corpo físico no espaço e no tempo. Movimento é visto como um aspecto externo da sua execução, que é visível e que pode ser descrito analiticamente. O aspecto interno de movimento não é considerado, justamente porque este não pode ser pesquisado de forma empírico-analítica. Dentro deste paradigma, será diferenciada uma análise morfológica e biomecânica do movimento. Do ponto de vista de Meinel/Schnabel (1984), a análise morfológica tem um status pré-científico por causa da falta da objetividade da pesquisa de movimento. A perspectiva biomecânica solve o problema da falta de objetividade. Esta perspectiva faz esforços para conseguir uma descrição objetiva dos movimentos esportivos e para pesquisar tais movimentos empírica e analiticamente. Esta perspectiva está pesquisando, com a ajuda das teorias mecânicas da Física e dos conhecimentos sobre o sistema biológico do homem, particularidades de movimento e de sua otimização, conforme as predeterminações do sistema esportivo. Esta visão contém algumas implicações normativas, que gostaria de ressaltar:
1.     Esta visão de movimento tem um pré-conhecimento do que é o movimento "correto”. Este pré-conhecimento depende, de um lado, das predeterminações do esporte e, do outro lado, é produzido
pela própria teoria, que segue o objetivo preconizado da otimização do movimento (como, por exemplo, a minimização do tempo ou a maximização da distância), O modelo destes movimentos "corretos" é encontrado naqueles dos esportistas de alto nível,
2, A segunda implicação normativa consiste no seguinte fato: as ajudas para cada pessoa no processo de aprendizagem motora consistem na sua capacitação para chegar bem perto daqueles modelos de movimento legitimados biomecanicamente.
Aqui movimento é reduzido para a perspectiva científico- natural apreensível. A individualidade de cada um como pessoa não existe, O homem aparece, nesta perspectiva biomecânica, como corpo físico com articulações ideais, como sistema biológico, cujas condições e funções são determinadas por meio de regras fisiológicas. Também o mundo de movimento reduz-se ao mundo do espaço e dos aparelhos, que são objetivados fisicamente. Dentro deste paradigma a pergunta do significado do movimento como um significado configurado pelos homens não é discutida.
Queria colocar a seguinte pergunta:                                   Que relevância pedagógica tem esta maneira de observação do movimento para a promoção da vida do movimento das crianças? Esta pergunta parece- me mais importante quando é colocada sem a legitimação pedagógica de que as análises biomecânicas ou morfológicas ajudam a identificar erros na execução do movimento,
O que legitima o uso de uma análise biomecânica como norma a priori de uma correta execução de movimento?
Com quais argumentos pedagógicos legitima-se o uso de pesquisas empírico-analíticas?
Sabemos que esse paradigma tem conseqüências concretas para a configuração do ensino do movimento. Quem entende movimento como um comportamento pré-determinado e imposto, tem que construir situações como estímulos, que trazem seus alunos do estado de repouso para o movimento. Nesta posição, monólogos são preferidos por causa de seu possível controle. Um diálogo não é necessário, porque o professor, baseado no seu conhecimento biomecânico, dá a seus alunos o movimento ideal como objetivo. Baseado na comparação da situação atual do movimento com a situação em que deveria estar, esse professor dá instruções verbais definidas ou oferece uma programação de aprendizagem. Nós
conhecemos           as teorias        da sensomotricidade ou                   as            teorias da informática, que são os   fundamentos teóricos do                tipo         de ensino fundado no monólogo. A aprendizagem do movimento não é mais uma coisa do aluno, mas, sim, uma coisa do professor. O aluno está alheio ao seu movimento e, com isso, do seu corpo. Ele é um objeto no qual deve ser implantada uma forma estranha de movimento.
2.     A visão fenomenológica do movimento - uma visão pedagógica.

Uma      concepção      contrária é apresentada pelo                          paradigma
fenomenológico de movimento. O núcleo desta visão é que, quando nós, por exemplo, observamos crianças numa aula de Educação Física, não estamos observando movimentos, mas, sim, seres humanos se movimentando. Nós não podemos observar um salto, mas, sim, pessoas saltando. Estamos diante de um sujeito, que se movimenta, e um mundo (uma situação), com o qual este movimento está relacionado.        Gordijn, um pedagogo holandês,         compreende o movimento humano como uma metáfora. Ele diz: "O movimento humano é um diálogo entre homem e mundo" (Cit. por TAMBOER, 1979, p.14). Com isso, Gordijn quer dizer: cada homem conversa com seu mundo, mas neste caso a língua é seu movimento. O homem coloca, enquanto se movimenta, perguntas de movimento para seu mundo e recebe respostas de movimento. Mundo não é somente o meio-ambiente (no sentido físico), mas são também os outros homens. O homem entra em contato com as coisas ou com os homens pelo movimento. Um exemplo: uma criança está num balanço, Gordijn faiaria agora: o balanço estava falando para a criança: "O que tu estás fazendo?" A criança responde pelo seu movimento. A partir disso, o balanço balança para frente e responde desta maneira: "Estou te amortecendo". A criança diz: "Estou seguindo", e novamente ela flexiona seu corpo para frente. Assim resulta de uma pergunta de movimento um diálogo permanente, um diálogo no movimento entre a criança e o aparelho, que leva finalmente a um balançar constante ou a uma interrupção do balançar, quando a criança não consegue balançar constantemente. Neste caso, muitas vezes o balanço recebe um pontapé e a criança diz: "Balanço estúpido".
De maneira semelhante, também podemos imaginar que uma criança brinca com seu pai. Ela corre contra o pai, talvez ele recue em alguns de seus movimentos, tornando-se, assim, para a criança um companheiro para balançar ou subir. Assim resulta também um tipo de diálogo de movimento e nós podemos ver que as duas pessoas do

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PEDAGOGIA DO MOVIMENTO: DIFERENTES CONCEPÇÕES
diálogo estão configurando o movimento. Portanto, o movimento não é compreendido uni lateral mente nem como do homem e nem do mundo, mas, sim, do relacionamento entre eles. Com isso Gordijn quer expressar que ele não aceita uma superação das instâncias diferentes dentro do acontecimento, por exemplo, uma separação do corpo e do espírito, da motriz e da intenção. A intenção, o sentido, que a gente pré-configura em relação à avaliação do resultado final, não pode e não deve ser separado do que acontece nas modificações da posição do corpo pelo movimento. Movimentar-se sempre está cheio de intenção, sempre é um homem que se movimenta. Este movimento tem um resultado individual e especial. Dentro do diálogo, dentro deste jogo da pergunta c da resposta, o homem identifica significados motrizes das coisas e dos outros homens. Ele projeta os significados na pergunta: O que poderia ser isso? E ele recebe o significado na resposta e no processo global do diálogo.
Movimentar-se é só uma forma da interação do homem com seu mundo peio qual ele recebe os significados. Gordijn coloca mais duas outras formas: pensar e falar. Por exemplo: é possível observar uma piscina e pensar sobre ela, também é possível falar algo sobre uma piscina e pensar sobre ela. Também é possível falar algo sobre uma piscina. Mas também é possível jogar-se na água. Por isso, o homem vive em diferentes mundos de significados, que são cada vez determinados pelo acesso que ele pode escolher. Por isso, o ambiente tem para os homens significados diferentes, assim como o significado de movimento. Isso a gente pode identificar muito bem no dia-a-dia. Uma cadeira, por exemplo, tem para uma pessoa, que estava andando durante muito tempo, o significado de um banco de descanso. Para uma criança a cadeira tem talvez o significado de um aparelho para subir, talvez com a intenção de abrir a porta., Uma pedra pode ter o significado de um objeto para ser carregado. Mas quando eu lanço a pedra, identifico o significado de movimento deste objeto.
O mundo não só pode ser identificado pelo pensar, mas também pelo movimentar. Movimento é um meio de conhecimento e, com isso, a gente identifica o significado de movimento.
De igual forma, como o paradigma científico-natural tem sua conseqüência na configuração do ensino, o paradigma fenomenológico tem também aqui suas conseqüências. Como o exemplo do balanço mostrava, a condição para a experiência do meu movimento como exato, como certo, é um jogo dialético conjunto
entre forças estimuladas e forças ativadas. Estas forças determinam as   possibilidades e os limites da ação correta. A forma especial de movimento configura-se somente no processo dialógico com as coisas do mundo. Nunca a forma já está presente, mas resulta do processo deste diálogo. E no processo da aprendizagem, isto é, no desenvolvimento de uma forma adequada, desenvolve-se um sentido para uma execução de movimento correto ou errado. Acho que nós, como professores de Educação Física, temos a tarefa de tomar nossos estudantes e nossos alunos responsáveis pela procura de informações, que só podem ser encontradas pela experimentação. Eles devem buscar características de movimento que são determinadas pelas sensações. Com base na teoria da aprendizagem motora, que se fundamenta na teoria da Gestalt ou na teoria da percepção, sabemos que ninguém pode tirar dos aprendizes a procura deste tipo de informações. Exatamente aqui encontra-se a fundamentação teórica do movimento para uma aula aberta às experiência de Educação Física. Estas teorias não se orientam na configuração de processos de ensino- aprendizagem baseados numa estrutura técnica objetiva de movimento, mas consideram a estrutura subjetiva de ação e a relação de troca entre os seres humanos e o meio ambiente. Eu chamo isto concepção "global" ou "total", porque relaciona o homem com o mundo e vice-versa. Isso é um fundamento característico da existência humana, que Merleau-Ponty chama "estar para o mundo" (1978) . Também encontramos esta relação indissolúvel no modelo circular da Gestalt (comp. v. Weizsacker, 1966). Aqui, perceber e movimentar é uma unidade, Na teoria de movimento de Meinel/Schnabel (1984) existe uma separação dos aspectos sensitivos (dos analisadores) e motores (os centros motrizes effectores). Segundo Meinel/Schnabel, os dois estão num contexto casual.
Em contraposição a isso, a teoria da Gestalt não fala em contexto causal do sistema sensitivo e do sistema motor, mas de uma coincidência. Coincidência significa - e isso é o que caracteriza a Gestalt - que o perceber acontece ao mesmo tempo em que ocorre o movimentar e vice-versa. O perceber influencia o movimentar e vice- versa.
Esta unidade de movimentar e perceber corresponde, no processo de treinamento, ao contexto significativo do "sentir” e "conseguir". Na combinação do sentir e conseguir será evidenciada a relação do contexto interno com o externo, do sujeito do movimento

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PEDAGOGIA DO MOVIMENTO: DIFERENTES CONCEPÇÕES
nas suas percepções e da situação de movimento na sua própria ação de movimento. O problema de aprendizagem motora consiste em aprender a sentir-se crescente mente na execução de movimento, de forma mais diferenciada e, em relação à situação, em iniciar o processo de movimentação de modo que o excesso e a falta de energia possam ser equilibrados passo a passo.
3.     Princípios pedagógicos de ensino.
Finalmente, gostaria de explicar alguns princípios de ensino, formulados mediante estas reflexões teóricas.
1.                   Um pressuposto fundamental para uma, aprendizagem motora que considera esta ligação do homem e mundo como dialógica é a possibilidade da configuração motriz autônoma e livre de normas pré-determinadas. Importantes no ensino são períodos de procura autônoma do aluno. É preciso dar uma abertura ao processo do ensino e aprendizagem. A exploração do problema resulta da experiência; o professor tem o conhecimento das soluções e fundamentações encontradas pelos alunos.
2.                   Um segundo princípio é o da totalidade. Isto significa oferecer aos alunos os movimentos, que eles possam realizar como uma totalidade desde o início.
3.                   Usar metáforas na informação verbal. Da aprendizagem motora sabemos que na fase do desenvolvimento da coordenação fina e da disponibilidade variável informações verbais não têm sucesso.
4.                   Configurar situações diferentes, que são direcionadas para percepções diferentes. A teoria da Gestalt chama este princípio de diferenciação "Centralização de atenção" ou "centralização da percepção". Muito importante aqui é que cada centralização deve acontecer em relação com a coisa e nunca com o corpo. O direcionamento da atenção para os parâmetros da execução corporal do movimento prejudica a evidência da percepção e, com isso, o processo de aprendizagem motor,
Estes princípios devem ser considerados peio professor da Educação Física, uma vez que o processo de aprendizagem motora se apresenta como um processo subjetivo, humano, aberto para as experiências individuais, pois                           sempre                                vemos homens                       se
movimentando, nunca formas de movimento.

VISÃO PEDAGÓGICA DO MOVIMENTO
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Referências bibliográficas
BUYTENDIJK, F.J.J. Allgemeine Theorie der menschlichen Haltung und Bewegung. Berlin. Gottingen, Heidelberg, 1956.
GRUPO DE TRABALI-IO PEDAGÓGICO - UFPE-UFSM: Visão didática da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1991.
HILDEBRANDT, R. A configuração pedagógica do movimento esportivo no ensino da Educação Física. Revista Educação Física/UEM, 1990, vol. l,p.36-39.
HILDEBRANDT, R. O conteúdo esportivo na educação física escolar. Revista Educação FísicalGEM, 1991, voi. 2, p. 10-13.
MEINEL/SCHNABEL. Motricidade I. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Barcelona: Península, 1978.
TAMBOER, J, Sicli-Bewegen - ein Dialog zwischen Mensch und Welt. Sportpädagogik 3 (1979), 2, 14-19.
WEIZSÄCKER, V.v. Die Gestatttheorie. Berlin, 1966.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Textos para o grupo de estudos de quarta com o Professor Tarcísio.

Aqui está o link para baixar os textos do grupo de estudos de quarta-feira.

 https://onedrive.live.com/redir?resid=B6ED64442950CB5E%21103388


CRONOGRAMA de ESTUDOS - CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA.




UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA.
CRONOGRAMA de ESTUDOS

Dia Títulos
11/03 Visão pedagógica do movimento(Reiner Hindebrandt)
25/03 Uma concepção dialógica e uma teoria do movimento humano (Andreas Trebels)
08/04 Educação Física/Ciências do esporte: que ciência é essa? (Valter Bracht)
22/04 Sociologia do esporte: uma introdução. ( Valter Bracht)
06/05 Esporte: uma abordagem com a fenomenologia. (Elenor Kunz)
20/05 Múltiplos olhares sobre educação e cultura. ( Juarez Dayrel)
03/06 A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física. (Valter Bracht)
17/06 Jogos esportivos coletivos: dos princípios operacionais ao gestos técnicos-modelo pendular a partir das ideias de Claude Bayer (J. Daólio)
01/07 Compreender e Transformar o Ensino – Pérez Gómez e Gimeno Sacristán
15/07 Educação Física escolar: a difícil e incontornável relação teoria e prática(Fensterseifer e González)
29/07 O esporte como conteúdo da Educação Física escolar(Paulo Carlan)
05/08
Ensinar a Educação Física ou ajudar o aluno a aprender o seu corpo-sujeito? (B. Charlot)
19/08 Análise de relatos que abordam o esporte nas aulas de Educação Física: indícios de uma mudança paradigmática (Marcos Neira)
02/09 Crítica à teoria crítico-emancipatória: um diálogo com Elenor Kunz a partir do conceito de emancipação humana. (Celi Taffarel e Márcia Morschbacher)
16/09 Por uma sociologia (ainda) crítica do esporte nas américas: o papel dos intelectuais e das associações científicas. ( Bracht; Gomes;  Almeida)
30/09 Uma indicação....





Prof. José Tarcísio Grunennvaldt

sexta-feira, 6 de março de 2015

AS CIÊNCIAS DO ESPIRITO EM WILHELM DILTHEY E AS FIGURAÇÕES EM NORBERT ELIAS: RELAÇÕES E AFINIDADES POR UM CAMINHO METODOLÓGICO









José Tarcísio Grunennvaldt UFMT - Sinop jotagrun@uol.com.br

Irene Carrilho Romero Beber Unemat - Sinop icrbeber@yahoo.com.br


Resumo: A discussão sobre a necessidade de as ciências humanas terem um olhar peculiar sobre os fenômenos, ocorrida no final do século XIX, na Alemanha difundiu-se para outras partes do globo, e a contribuição desse enfoque metodológico suscitou-me a curiosidade a respeito das contribuições de Wilhelm Dilthey, na proposição de uma metodologia própria para o estudo das ciências humanas, e quais nexos de continuidade poderiam ser evidenciados nas formulações de Norbert Elias, acerca do caminho metodológico para a sociologia na contemporaneidade. Estabelecido o problema, o objetivo deste ensaio é identificar, por meio da comparação e aproximação, as propostas de método para o estudo e pesquisa no âmbito das ciências humanas presentes nos dois autores. Serão utilizadas algumas obras em que se percebem evidências de explicitação do método dos autores e em alguns comentadores.
Palavras-chave: caminho metodológico; estruturas; configurações.
Abstract: The discussion about the need for the human sciences has a specific look on the phenomena, Occurred in the end of XIX century, and the contribution of this methodological approach has generated my curiosity about the contributions of Wilhelm Dilthey, in the proposition of a methodology for the study of human science, and which kind of link of continuity could be evidenced in the formulations of Norbert Elias, about the methodological approach to sociology in contemporary society. After established the problem, the objective of this essay is to identify, through comparison and approximation, the proposed method for the study and research within the human science in the present two authors. Will be used in some works that consider themselves evidence of a clear explanation of the method of the authors and some commentators.
Keywords: methodological way; structures; settings.





1. INTRODUÇÃO
Este artigo pretende estabelecer relações entre o pensamento de Wilhelm Dilthey (1833 -1911) e Norbert Elias (1897-1990). Os dois pensadores, cada qual em seu tempo, propuseram-se a pensar sobre a necessidade de um caminho metodológico singular para a análise dos fenômenos sociais. Nesse sentido, observamos também as trilhas da crítica de Dilthey, cujos aspectos Elias recupera ou desenvolve no tocante à problemática da especificidade das ciências humanas.
Com efeito, ao olhar e analisar tal continuidade e, quiçá, a inauguração da singularidade das ciências do espírito, sob o ponto de vista da longa duração, percebe-se o quanto a obra de Dilthey foi um marco para diversos pensadores que, na sua trilha, puderam pensar a peculiaridade metodológica das ciências humanas. É necessário dar visibilidade ao lastro cultural no qual Dilthey estava imerso para propor o método, para perceber com quais correntes de pensamento estava dialogando, a fim de que tal proposição se configurasse como uma tentativa de ruptura metodológica1. Como herdeiro de um movimento que se levantou como reação crítica da teoria positivista do conhecimento, aceita nas ciências sociais datada de meados do século XIX, Dilthey fazia parte de uma corrente de pensadores que defendiam que o estudo da vida social de homens não deveria adotar os mesmos parâmetros das ciências naturais, pois inviabilizariam o que é, de fato, humano e singular no homem, ou seja, a sua individualidade.
Não dispomos, ainda, de informações que nos autorizem afirmar ter havido influência direta de Dilthey sobre Elias, mas sabe-se que ambos pensavam acerca da necessidade de uma metodologia peculiar para as ciências humanas. Elias, ao referir-se à fundamentação teórico-metodológica, deixou clara a sua posição sobre a importância de uma teoria dos processos sociais como um instrumental maleável, capaz de contribuir na tarefa de diagnosticar e explicar tendências de longo prazo não planejadas, o que, inevitavelmente, resultaria na indivisibilidade acadêmica entre sociologia e história. Na discussão que levantou, Elias defendia que tais tendências dos processos sociais, em se configurando, carregam as marcas das estruturas da sociedade e da estrutura da personalidade.
Será utilizado o instrumental da comparação entre o entendimento de Wilhelm Dilthey acerca do conceito de método para as ciências do espírito no final do século XIX, e o seu correspondente no pensamento de Norbert Elias, que viveu e produziu sua obra, na maior parte do século XX. Como instrumental operacional será utilizado o método da comparação intrageracional e intergeracional. A primeira estratégia metodológica usa a comparação como ferramenta, e será útil para apresentar o que, em uma visão panorâmica, pensavam os contemporâneos de Dilthey e os de Elias. A segunda, por sua vez, será proveitosa para capturar, pela comparação, as semelhanças e as dissonâncias no pensamento de ambos os autores. Para nos reportar ao uso que determinado pensador faz de um conceito é salutar visitar sua produção para destacar ali sua singularidade, o que é possível ser materializado, visitando sua produção, como fontes de informação de pesquisa. No entanto, deve-se destacar que, no âmbito da pesquisa comparativa, não basta olhar somente para o autor e sua produção; ir além, significa atentar para o seu entorno, ou seja, observar com quem ele estabelecia interlocução, quer para o diálogo propriamente dito, quer no sentido de realizar um esforço de compreensão dos conceitos que carregam um entendimento, mediados pela época de sua configuração.
Com o uso do instrumental comparativo entre as proposições de dois autores que defendem a peculiaridade metodológica para as ciências humanas, deve-se mostrar,



1 Usa-se o termo tentativa, como algo que não aconteceu por completo, no sentido de Santos (2008) quando detecta que a fronteira entre o estudo do ser humano e o estudo da natureza não deixa de ser prisioneira do reconhecimento da prioridade cognitiva das ciências naturais. Se, por um lado, se negam os condicionantes biológicos do comportamento humano, por outro, usam-se argumentos biológicos para demarcar a especificidade do ser humano. Eram tempos em que se reivindicava para as ciências humanas um estatuto metodológico próprio, era uma ciência mais marcada pela continuidade que a ruptura propriamente dita, mas já contendo os sinais dos componentes para transição para um outro paradigma.





sob o olhar da leveza, como Dilthey visualizava as estruturas que marcam cada vida. Ao seu lado, visualizar a mobilidade que Elias entendia como processo das figurações sociais, tendo em vista estarem tratando de fatos humanos que carregam as marcas de sua época, podendo, portanto, ser constantemente configurados pelos homens, no tempo que compreendem os fenômenos em função das intenções e dos sentidos, sem sofrer uma certa leitura teleológica progressista que marca algumas interpretações da História.





Não se pode estabelecer uma comparação compreensiva da sugestão de método para as ciências humanas de Dilthey e de Elias, sem antes fazer um apanhado de suas trajetórias intelectuais e observar o contexto cultural sob o qual se deu tal efervescência. Com efeito, torna-se pretensioso o nosso intento, quando se destacam duas trajetórias distantes uma da outra na linha do tempo. Mais pretensioso ainda se torna esse ensaio, quando se considera, como destaca Lacroix (2001), que as relações entre autor e o universo de sua criação se constituem uma caixa preta e a mera leitura de seus textos não dá conta de todos os seus segredos.
Com efeito, o reconhecimento tardio da obra de Elias evidencia, possivelmente, um sinal da incompreensão de seu trabalho, pois o autor, aos 87 anos, dá o testemunho de tido a sensação de que sua obra não havia sido inteiramente compreendida em sua época.
Quanto à obra de Dilthey, o maior percalço está em encontrar seus trabalhos em língua portuguesa e, quando se os encontram, são apenas textos de comentadores, ou estudiosos sobre a obra e vida do autor. A grandiosidade, originalidade e polêmica da discussão levantada por Dilthey, diante da necessidade de se inaugurar uma metodologia própria para as ciências do espírito - terminologia própria da Alemanha do final do século XIX - distinta das ciências da natureza daquele contexto, não lhe garantiu, contudo, a proporcionalidade em reconhecimento posterior, fosse no âmbito da academia ou na esfera da produção, publicação e divulgação de suas obras.
Amaral (1987) cita que, pouco antes de morrer, Dilthey teve duas de suas obras publicadas: A construção do mundo histórico nas ciências do espírito (1910) e Os tipos de concepções do mundo a sua formação nos sistemas metafísicos (1911) e a influência dessa última publicação fez com que o autor se projetasse mais sobre a literatura e arte, o que lhe reforçou a alcunha de “arguto historiador do espírito”. A autora destaca que tal adjetivação concorreu para que seu propósito sistemático- -filosófico deixasse de chamar muito a atenção dos contemporâneos.
Com sua morte, em 1911, iniciava-se uma correção da visão distorcida sobre o autor, quando vários de seus discípulos se empenharam proficuamente na organização de suas obras completas. Ele próprio confessava que seus limites consistiam em uma aversão às formulações prematuras, unilaterais, bem como às de brilho superficial. Enfim, ele encarava o trabalho relacionado à publicação de seus escritos com o mais completo descaso.
A partir da fundamentação histórica, sociológica, psicológica e filosófica, presente nas obras de Dilthey e de Norbert Elias, também é possível inferir que as contribuições teóricas nas quais se sustentam suas obras projetassem modos de pensar e propusessem alternativas metodológicas comuns para o estudo da sociedade que se constituía historicamente. Procurar rastrear o lastro de cultura em que os autores desenvolveram suas obras e com quem dialogavam é nossa estratégia, uma vez que nossa hipótese sugere que ambos possuem influências e referenciais comuns e, de algum modo, estreitaram relações com o historicismo.

A década de 1880 foi, para a Alemanha, pródiga em experiências, constituindo um período em que a industrialização tardia gerou rapidamente grandes concentrações de capital e, logo na sequência, um grupo de intelectuais começou a questionar sobre a função das instituições e das tradições num lugar em transformação.
Na esfera da educação, valores eram questionados, no ensino secundário escolas de “espírito realista” ou modernas contestavam o primado do antigo currículo clássico, de modo que ganhavam força os estudos técnicos e utilitários, inclusive no nível universitário. Nessa ambiência cultural da Alemanha, foram admitidos estudantes secundaristas, não clássicos, ao ensino superior e a introdução da educação escolar elementar comum na vigência do período de Weimar, levou a um acentuado número de matrículas nas universidades alemãs, e que se acelerou de modo muito perceptível no período dos anos de 1870 a 1920.
Por certo, tal tendência de “influxo das massas” não ficou imune ao olhar da maioria ortodoxa que era hegemônica e enfrentou esse desencadeamento com indisfarçável hostilidade. A ortodoxia intelectual alemã reagia com discursos que lamentavam o declínio da cultura, que trazia a ascensão da “civilização” de espírito mais árido. Esses “mandarins germânicos”,
Consideravam a sua uma época de “utilitarismo rasteiro, de “dissolução” social e de “decomposição” moral. Durante a República de Weimar, que abominavam, muitos deles pregavam uma “revolução espiritual” contra o novo regime e todos os aspectos da modernidade (RINGER, 2004, p. 29).
É importante destacar que, no âmbito da intelectualidade alemã, uma minoria criativa de acadêmicos partilhava das preocupações dos colegas ortodoxos; no entanto, reagiam de modo mais complexo e ponderado, evidenciando que tais homens se entendiam mais filhos amoldados à época que se configurava, do que propriamente da tradição ortodoxa de seus pais, até então em vigor. Weber era emblemático e partilhava dessa idéia, ao perceber que algumas poucas mudanças eram inevitáveis e nem a monarquia burocrática, tampouco a cultura oficial da era guilhermina seriam expressões perfeitas do espírito germânico.
Parece que a “mentalidade” da Belle Époque impunha aos corpos e às mentes dos intelectuais maior velocidade e, consequentemente, mais mobilidade e criatividade ao se estabelecer o diálogo entre a tradição e a inovação. O novo nessa intelectualidade estava na sua capacidade de amalgamar uma síntese resultante das contribuições duradouras da tradição que, ao longo das décadas de 1800, vivia sua idade heróica, a wissenschaft germânica, a qual, associada à busca da perfeição pessoal -Bildung - e a uma visão de mundo - Weltanschauung - representante do espírito do idealismo alemão. Esse vínculo se baseava no sistema filosófico de Hegel e sua atenção para a nova conjuntura repleta de novas exigências decorrentes da ordem mundial, as quais se impunham sem piedade.
Tratava-se de uma postura decididamente criativa, que exigia uma elucidação crítica dos compromissos fossem eles cognitivos ou normativos. Era um tempo de frenesi, movido pela ambivalência, um tempo em que até as posturas táticas e os pressupostos táticos deveriam ser convertidos em prescrições metodológicas mais explícitas, para que se pudesse fazer a “transposição seletiva” de toda uma tradição intelectual alemã para o novo contexto. O método era a consideração do movimento da própria História, de modo que tradição e inovação não eram percebidas como antíteses, mas como complementações, estabelecendo simplesmente uma relação de continuidade e descontinuidade.
Wilhelm Dilthey parece ser um dos acadêmicos alemães que inauguraram a reação contra o vínculo entre causalidade e determinismo que se deu com grande

intensidade entre o período de 1890 a 1930. Era um período que fora denominado pela intelectualidade alemã não adepta das ciências naturais de “crise da cultura”, antes da passagem do XIX para o XX e depois “crise da Wissenschaft”, ou do conhecimento.
A palavra “crise” apontava ao mesmo tempo para os perigos do “positivismo” e para o aparecimento de um novo “idealismo” em filosofia e humanidades. Por volta de 1920, a “filosofia da vida” (Lebensphilosophie), bem como a procura da “síntese” cognitiva e do pensamento intuitivo, levaram a um franco namoro com o irracionalismo, pelo menos em certos setores (RINGER, 2004, p. 36).
As razões do estreitamento das humanidades com o idealismo e seu limite tênue com o irracionalismo, por volta dos anos de 1920, podem ser associadas à ambiência conjuntural de pós-guerra, vivida pelo mundo naquela década. Durkheim e Weber já haviam lançado as bases de uma sociologia moderna, ao questionar as certezas racionalistas, quer de influência positivista ou marxista, do mesmo modo como a ascensão de regimes totalitários e as consequências deixadas pela Grande Guerra eram um sinal da necessidade de se repensar a concepção vitoriana de progresso que marcava a Era dos Impérios.


2.1. DILTHEY E O (RE)NASCIMENTO DAS DISCIPLINAS HUMANISTAS


Quando, no outono passado, Wilhelm Dilthey morreu - demasiado cedo, pois , apesar dos seus 79 anos, ele não era um homem idoso, tendo sido arrancado do seu trabalho mais fecundo - a ressonância desse fato nos jornais foi assustadoramente insignificante. Na verdade, só se manifestaram seus discípulos mais íntimos, um pequeno grupo de oito ou nove homens, que nos últimos vinte anos tinham trabalhado pessoalmente com ele, formando um verdadeiro centro de estudo ( NOHL, apud AMARAL, 1987, p. XIX).
Data de 1883, o esforço de Wilhelm Dilthey para codificar os conceitos e os métodos das disciplinas humanistas, de modo especial, em oposição aos das ciências naturais, com a obra publicada: Introdução às disciplinas humanistas (ou interpretativas). Para Dilthey, os seres humanos, entendidos como entidades psicofísicas ou biológicas, fazem parte da natureza e, certamente, profissionais das disciplinas interpretativas que trabalham com a mente e o espírito (Geist) humano, assim se expressam no mundo histórico. A diferenciação se expressava nas atitudes dos investigadores, no seu modo de encaminhar e realizar a pesquisa e de como traçar os objetivos das pesquisas. Mas não se pense que Dilthey fosse anticientífico; sua posição era de rejeição do empréstimo do método das ciências naturais para as ciências do espírito, quer em pesquisas contemporâneas quer em investigações históricas. Assim, as ciências culturais:
Não procuram regularidades ou “leis”, nem almejam o tipo de conhecimento que permite “dominar’ o ambiente. Sua atenção se volta para o único - e para a ação livremente escolhida. Embora os motivos humanos com certeza afetem os desfechos históricos, raciocina Dilthey, diferem em muito de outras causas de mudança. A ação humana só pode ser compreendida “de dentro”, em termos de intenções e crenças. O estudo da antropologia pode facilitar o trabalho interpretativo; mas as Gieinswissenschaften devem em última análise fundamentar-se numa “psicologia descritiva e analítica” que não dependa de leis psicofísicas nem de outras táticas reducionistas ou “explicativas” (RINGER, 2004, p. 36).

Sua contribuição metodológica foi se “configurando”, pois seu projeto, iniciado em 1883, seguido de um ensaio em 1894 sobre psicologia descritiva, só vai conseguir atingir sua forma final em 1907, em Construção do mundo histórico nas Geisteswissenschaften, sendo aperfeiçoada à medida que novos dados iam sendo incorporados. Defendia uma postura, quase clássica, para a abordagem interpretativa, baseado num eixo tríplice que comportava os seguintes níveis: a) experiência imediata (Erleben, Erlebnis); b) expressão (Ausdruck); c) compreensão interpretativa (Verstehen). Para ele, a percepção imediata exercia a primazia sobre as demais.
Dilthey insistia em que a experiência de vida de cada sujeito nada mais é de que um complexo de sensações de largo espectro, desde o início, até as lembranças, antecipações, percepções, intenções e ponderações. Essa experiência funciona como pré- requisito para quaisquer observações que se queira articular ou transformar em experiência organizada (Erfahrung) e concorre para compor integrando o quadro cognitivo de várias disciplinas. Foi esse sentido incorporado da experiência que cada sujeito protagoniza que marcou o pensamento de Dilthey, inspirando o que, posteriormente, veio a ser denominado de “filosofia da vida” (Lebensphilosophie) e marcou, em grande medida, as reflexões posteriores do autor. Ele acreditava que Nacherleben, a reprodução por empatia de uma experiência imediata, tinha um papel importante na gênese da compreensão interpretativa.
O Dilthey da maturidade - ainda que não tenha conseguido se desprender da postura subjetivista da compreensão por empatia -, conseguiu desenvolver uma abordagem mais complexa de Verstehen. Para reconstruir os significados humanos nas suas manifestações, adaptou livremente o termo hegeliano “objetificação”. Os artefatos, textos e as instituições de qualquer tipo podem ser considerados traços externalizados ou “objetificados” da “mente”, cabendo ao intérprete a reconstrução do mundo histórico com base em traços objetivamente dispostos.
Um dos interlocutores com os quais Dilthey dialogava para explicitar e afirmar seus pressupostos acerca de um olhar peculiar para as ciências humanas era Herbert Spencer. Para apresentar os pontos de contato entre ambos devemos, antes, reconhecer que Dilthey, ao atribuir caráter de centralidade em sua obra “à própria vida”, implica que esses termos dizem respeito à interação entre o eu e o meio, significando, primordialmente, a interação de impressão e movimento.
Com efeito, na sua construção histórica movida pelo movimento da própria história, antes de adotar o termo “estrutura” ele falava em “esquema antropológico”, e este conceito é o que distingue Dilthey de seus interlocutores que estavam articulados com a leitura de mundo que compara as formas elementares da estrutura psíquica humana com aquelas da natureza ou de reino animal, corrente que era quase que hegemônica na época. Dilthey, distintamente, afirmava que tal conceito de estrutura deveria emergir da própria vida, pois significava “a interconexão de sentimento - sensação - impulso - transformação entre movimento - satisfação” (RODI, 1989, p.119).
A psicologia lhe era muito cara, não raro ela e a biologia é que orientavam as discussões acadêmicas dos anos de 1880. A passagem que segue é provocativa, no sentido de perceber indícios de que, na utilização do conceito estrutura, ele tenha demonstrado sua preferência para relacionar o homem a um contexto geral, o que traduz sua preferência pelas ciências do espírito. O destaque é para uma aula sobre Imaginação poética e insanidade de 1886, sobretudo A poética, de 1887, quando a estrutura comparece.
Há uma estrutura da vida psíquica que é tão claramente reconhecível como aquela do corpo físico. A vida sempre consiste na interação de um corpo vivo com um mundo exterior que constitui o seu meio. Sensações, percepções e pensamentos têm origem no jogo constante de estímulos externos. Procedem também mudanças no estado afetivo à base de um sentimento geral. Os sentimentos evocam volições e conflitos de desejo e vontade. Volições resultam

em ações externas da vontade, entre elas as mais poderosas são aquelas que são contidas em estados corporais- tais como o impulso da autoconservação, a necessidade de alimento, o impulso da reprodução e o amor à prole. Quase tão poderosos são a necessidade de estima e os instintos sociais, que estão contidos na vontade. Outras volições produzem mudanças internas na consciência. A hierarquia do reino animal está baseada nessa estrutura. (DILTHEY, apud RODI, 1989, p. 119).
Estrutura significa, então, que um número de funções que constituem a interação entre o eu e o meio estão ligadas de tal modo, que sua coerência manifesta “uma intencionalidade imanente subjetiva do nexo psíquico estrutural que é dado na experiência interna” (RODI, 1989, p. 120).
Parece estar ali a maior dissonância de Dilthey com Spencer, na medida em que este fez “do princípio da diferenciação uma lei universal de evolução que devia governar tanto a natureza quanto o mundo histórico-social” ( RODI, 1989, p. 117). Por sua vez, Dilthey, no texto denominado Esboços de Breslau, Capítulo 6 - A articulação dos fatos da consciência, procurou estabelecer dois princípios básicos da filosofia, que queremos aqui entender como método de pensamento. O primeiro: “tudo que me é dado na experiência interna e externa apresenta-se somente lá para mim como nexo de fatos de minha consciência”. Em caso de esse princípio ser exclusivo de orientação epistemológica, correr-se-ia o risco de sermos conduzidos por um fenomenalismo que reduz a realidade à aparência para um sujeito puramente cognitivo, em cujas veias “não corre o sangue da verdade”. Para evitar o risco da mera representação de marca de fenomenalismo, propôs, então, o segundo princípio: “os fatos da consciência não podem ser reduzidos a algo como uma esfera de imagens para um mero sujeito observador, desligado de relações com o mundo exterior” (RODI, 1989, p. 118).
Pode-se observar como ele avança na representação externa do fenomenalismo na seguinte passagem:
Fatos da consciência são também - e acima de tudo - a experiência da dor, prazer, alegria, esperança, medo, satisfação, etc., a começar pela experiência mais elementar da resistência exercida por um mundo exterior sobre os movimentos do meu corpo (RODI, 1989, p.118).
A vivência (Erlebnis) é a categoria epistemológica fundamental, como oposta ao conceito de representação, e os fatos da consciência são dados da totalidade da vida psíquica, de modo que o mero apoio das ciências humanas deve ser substituído por uma autorreflexão psicológica e antropologicamente mais compreensiva. Dilthey alerta que não tem importância chamar esse tipo de autorreflexão de “filosofia da vida”, “antropologia do conhecimento”, ou “fenomenologia”; argumenta, contudo, em favor de não se tratar de psicologia no sentido restrito de psicologismo. Isso, enfim, seria para Dilthey a própria vida. Diante disso é possível afirmar-se que, para Dilthey, toda a verdadeira filosofia deve desembocar em uma pedagogia, ou, como o autor preferia dizer, uma “teoria da formação do homem” (AMARAL, 1987, p. XXVI).
Ele afirmava que nas ciências culturais não se lidava com objetos inanimados que tinham vida fora do sujeito ou com o mundo de fatos externos e cognoscíveis objetivamente. Desse modo, o objeto das ciências culturais refere-se aos produtos da mente humana em conexão com as outras mentes humanas, aí inclusa a subjetividade, as emoções e os valores.
Rejeitava do positivismo, também, a busca de regularidades ou leis, que refutavam seu uso e aplicação às ciências sociais. “A complexidade da vida social, a variedade de interações entre os indivíduos, as contínuas mudanças ao longo do tempo e as

diferenças culturais não permitem que os teóricos estabeleçam leis que se apliquem em todo o tempo e lugar” (SANTOS FILHO, 2002, p. 26).
2.2 NORBERT ELIAS E O MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO: QUANDO O CAMINHO É UMA FIGURAÇÃO
O reconhecimento tardio de Elias, para além das contingências aparentes das quais esse reconhecimento é o resultado, pode se interpretado também como um sinal de incompreensão. Há, enfim, o testemunho do autor: “Até hoje diz ele aos 87 anos, não tenho a sensação de haver sido compreendido inteiramente” (LACROIX, 1987, p. 3).
Gebara, em sua apresentação aos trabalhos de 7° Simpósio Internacional do Processo Civilizador, ao dialogar com a questão levantada, nos alertou. Perguntava ele: afinal de que teoria estamos falando? Elias depois de ter trabalhado com Manheim, no Departamento de Sociologia de Frankfurt, e tendo vivenciado a polêmica daquele Departamento com O Instituto de Investigação Social de Adorno e Horkheimer, pode ter sido uma referência para seu caminho de investigação metodológica. Para os marxistas, o trabalho é a referência basilar para a compreensão dos fenômenos históricos e sociais. Tal posição tem razoável aceitação pelos estudiosos da Escola de Frankfurt, principalmente, os iniciadores desse movimento. Elias, no entanto, relativiza tal caráter precípuo do trabalho como mediador das configurações, destacando outras relações atuantes no processo histórico, de modo que o ‘homem,’ na medida em que produz seus meios de subsistência, procura também seus meios de defesa.
Ao fazer a menção de que existe um caminho, mas que os caminhantes são diversos, quero destacar a relação de interdependência que os sujeitos estabelecem na relação entre si na configuração social. A análise de Norbert Elias destoa de uma visão imediatista que move o interesse sociológico do presente, em que os prazos são curtos e os problemas focam um determinado estado da sociedade. Uma investida de duração, que foca a análise na perspectiva do longo prazo das estruturas sociais, não precisa cegar as estruturas da personalidade.
Com efeito, evidenciar que os homens, além das relações de produção, possuem a necessidade de viver em cadeias de interdependências, por meio de laços que se articulam de diversas maneiras - de modo que nos perguntamos, por que uns praticam ou apreciam o esporte, por que outros gostam de cinema, outros vão à igreja e, ainda, por que fazem sexo - é uma prova de que os homens, além de serem parte integrante das relações de produção, possuem interesses e necessidades que atendem a intenções e gostos pessoais, de modo que cada sujeito atribui sentido a seu envolvimento na rede de relações sociais que configura.
Em tal sentido, o conceito de figuração ganha centralidade na obra de Elias, quando o método não deve obliterar a descoberta da própria pesquisa, tendo em vista que teoria, método e os dados empíricos formam uma tríade, sendo imbricados dialeticamente, desde o nascedouro da problemática da pesquisa até a consolidação de sua descoberta.
Essa peculiaridade, por certo, ele a deve ter herdado da ambiência na qual esteve imerso na década de 1920, em Heidelberg, quando era amigo e colaborador de Manheim, tendo sido, depois, seu assistente no Departamento de Sociologia de Frankfurt. Era uma época em que, embora vivesse a mesma ambiência cultural, o Instituto de Sociologia se afastava do mais conhecido Instituto de Investigação Social, a Escola de Frankfurt. Vale o destaque para realçar que, naquele tempo, e num local específico, ocorria

a emergência das sínteses de Elias sobre o desenvolvimento, numa conjuntura histórico- política, particular, e algo peculiar para a própria sociologia. Neste sentido, Dunning é elucidativo.
Alias, neste estádio crítico e frutuoso da sua carreira sociológica, aventurava-se numa questão específica a que os alemães dão o nome de methodenstreit - a “luta pelo método” - que foi a prática pela qual várias escolas se debateram, ao longo dos anos, no sentido de determinar que métodos “científicos” eram apropriados ao estudo dos seres humanos e das sociedades que estes formam, e que conceitos e métodos eram mais adequados para o efeito (DUNNING, 1992,
p. 20).
O rigor do método, ele o impunha a si próprio, tendo em vista não ter sido tragado por nenhuma daquelas mitologias que denominava de “ilusões ideológicas” o que faz dele um exemplo da vigilância em face da heteronomia de saberes, pois procurava combater todos os falsos saberes que sustentam a preservação das crenças sociais.
Norbert Elias fazia do distanciamento uma condição social do conhecimento científico e prolongava essa atestação por um dever de autodistanciamento. Ele convidava a fazê-lo para todo o objeto, mesmo que fosse ele esse objeto. Com isso ele formulava o programa de uma sociologia do conhecimento da qual a sociologia das obras é um aspecto (GARRIGOU E LACROIX, 2001, p. XVII).
Com tal postura, Elias evitava a apologia de autores ou de textos nas investigações que realizava. Seu rigor, por vezes, dava a impressão de violentar a obra e de minimizar o autor, mas era a posição de firmeza, ou, “parece ainda ser a melhor maneira de não trair nem a um nem a outro” (GARRIGOU E LACROIX, 2001, p. XVII).
A explicitação da adoção de método peculiar para a pesquisa nas ciências humanas está evidenciada com o tratamento dos dados que Elias usou em seu estudo, realizado com uma comunidade pequena como a de Winston Parva. Ali está a evidência plausível de que aquela comunidade foi emblemática para quebrar as generalizações sobre as relações entre grupos da classe trabalhadora. Assim, o estudo constitui um instrumental para a abordagem em sociologia de algumas questões da atualidade, como a violência, a discriminação e a exclusão social.
Sem dúvida, o avanço de Elias foi ampliar o entendimento da sociologia como ciência, ao suplantar a visão de que o uso de métodos estatísticos era suficiente para se obterem as respostas aos problemas sociológicos. Parece que ali reside sua originalidade em torno da defesa de um método sociológico, pois Elias queria saber se uma investigação mais sistemática poderia confirmar uma impressão que se tira sobre a relação entre as três zonas da comunidade; queria ainda saber se seria possível esclarecer melhor as razões dessa configuração, e partir para a criação de um modelo provisório para tal tipo de relação o qual pudesse servir de guia em outros estudos de fenômenos similares ou correlatos e passíveis de verificação.
Ao se partir do pressuposto de que o método pode ser entendido como a forma de compreender um determinado fenômeno de enxergar o mundo, pode-se perceber a ruptura de Elias com a sociologia clássica que predominava nas análises sociológicas, por volta das décadas de 1930 e 1940.
Nesse período em que predominava a percepção clássica de ciência, em que “o conceito de leis universais constitui uma tentativa para descobrir algo imutável e eterno para além de mudanças observáveis (...)”, as ciências humanas buscavam se adequar ao paradigma vigente, garantir seu status de cientificidade, tendo o homem como objeto de investigação, a partir dos mesmos parâmetros das ciências da natureza. O homem, como fenômeno de investigação, deveria ser estudado nas mesmas dimensões dos fenômenos da

natureza, a relação sujeito objeto era direta no sentido de que o objeto é algo que deve ser compreendido e desmistificado pelo sujeito da investigação em uma posição de total imparcialidade.
Isto pode ser percebido na crítica de Elias, na Introdução à Edição de 1968 de O Processo Civilizador, quando destaca que a imagem de indivíduo como Ser inteiramente livre, independente, uma personalidade fechada e inteiramente autos--suficiente e separada de todos os demais, vinha, de há muito tempo, permeando o desenvolvimento das sociedades européias. No fundo, é uma crítica ao entendimento corrente da relação entre indivíduo e sociedade e, como ele mesmo afirma, as idéias dos teóricos sociais constantemente mergulham em becos, aparentemente sem saída.
O indivíduo - ou, mais exatamente, aquilo a que se refere o atual conceito de indivíduo - reaparece uma vez após outra como algo que existe “fora” da sociedade. Aquilo a que se refere o conceito de sociedade volta repetidamente como algo que existe fora e além do indivíduo (... ) A fim de superar esse beco sem saída da sociologia e das ciências sociais em geral, é necessário deixar clara a inadequação de ambas as concepções, a de indivíduos fora da sociedade e, igualmente, a de uma sociedade fora de indivíduos (ELIAS, 1994:, p. 239).
Considera que a limitação a esse entendimento está em uma armadilha conceitual pela qual somos tolhidos por ideais estáticos de indivíduo e sociedade e que só poderá ser superada, a partir do momento em que forem mais desenvolvidas a partir de um conjunto de estudos empíricos, de modo que os dois conceitos sejam levados a se referirem a processos.
Outra evidência, na obra de Elias, do rompimento com o modelo de ciência dominante, pode ser percebida nas próprias palavras do autor: “(...) encontram-se ali nessa pequena comunidade de Winston Parva, como em miniatura, um tema humano universal.” (ELIAS, 2000, p.19). Nessa obra, Os estabelecidos e os outsiders, há, enquanto método, uma inversão da perspectiva dominante, o método dedutivo para uma perspectiva indutiva, em que o particular abriga o universal, um estudo de uma localidade abriga o universal. Em outra referência, mencionada na mesma obra, a metodologia de trabalho pode-se ler:
Estudar os aspectos de uma figuração universal no âmbito de uma pequena comunidade impõe à investigação alguns limites óbvios. Mas tem suas vantagens. O uso de uma pequena unidade social como foco de investigação de problemas igualmente incontáveis numa grande variedade de unidades sociais, maiores e mais diferenciadas, possibilita a exploração desses problemas com uma minúcia considerável (ELIAS, 2000, p. 20).
Essa perspectiva teórico-metodológica de produzir conhecimento era extremamente inovadora, confrontada com os princípios da sociologia clássica, um homem que fala e se permite interpretar os fenômenos sociais para além do contexto social mais aparente. Assim,
(... ) as inferências feitas unicamente a partir da análise estatística das entrevistas seriam de valor limitado, sem o conhecimento adquirido por meio de uma investigação sistemática, feita por um observador participante devidamente preparado. Eis um exemplo (ELIAS, 2000, p. 55).
Outra evidência de que Elias buscava superar a concepção corrente de pesquisa estava no entendimento que possuía acerca das estatísticas profissionais que poderiam ajudar a evidenciar os contornos da configuração de Winston Parva, mas cujo papel mais exato na relação das três zonas da cidade não poderia ser discernido apenas por meio de

inferências baseadas na análise estatística, e também pelo modo como um âmbito reduzido de análise pode contribuir para se aprender a compreender a ilusão de ótica, a que certos fenômenos são reduzidos.
Assim, faz-se o questionamento da imagem que os estabelecidos, os poderosos setores dirigentes de uma sociedade têm de si mesmos e transmitem aos outros, perguntando se ela se pauta na “minoria de melhores” que tende para a idealização. E, também, da imagem dos outsiders, do grupo relativamente pouco poderosos se comparados aos estabelecidos, tende ser modelada na “minoria dos piores”.
Sobre os modelos das figurações, dos padrões ou estruturas sociais Elias nos
ensina:
Tal como as hipóteses e teorias em geral, eles representam ampliações, progressos ou aperfeiçoamentos do reservatório de conhecimentos existentes, mas não podem ter a pretensão de ser um marco final absoluto na busca do saber, marco este que, tal como a pedra filosofal, não existe. Os modelos e os resultados das pesquisas de configurações fazem parte de um processo, de um campo crescente de investigação, à luz de cujo desenvolvimento estão, eles mesmos, sujeitos a revisões, críticas e aperfeiçoamentos, fruto de novas investigações (ELIAS, 2000, p. 57).
Elias nos ajuda a pensar que a análise sociológica tem suas bases no pressuposto de que todos os elementos de sua configuração apenas são o que são, em virtude de sua posição e função naquele contexto. Sendo assim, a análise e a separação dos elementos é uma mera etapa temporária numa operação de pesquisa, que requer complementação de outra, pela integração dos elementos, ao tempo em que esta requer a suplementação pela primeira: nesse movimento dialético entre análise e síntese não existe começo nem final.
Assim, acreditava que a sociedade não poderia ser pensada baseando-se em sínteses que partem do a priori. Seu esforço metodológico pretendia contribuir para o desenvolvimento de síntese mais adequada ao objeto, apoiada, concomitantemente, na teoria e na observação, olhando para um quadro de pessoas e das sociedades de modo que essas possam ser descritas como são e não como supostamente poderiam ser, segundo discursos previamente elaborados.
Ao se falar de uma metodologia específica para as ciências do espírito (humanas) não se poderia esperar que nossos autores nos propusessem algum método, a priori estabelecido, para a leitura e apreensão da realidade dos fenômenos do seu entorno. Ambos os autores, no diálogo com o seu tempo, propunham algo. Dilthey, em oposição às ciências naturais, entendia que as disciplinas humanistas, ao se debruçarem sobre os seres humanos como entidades psicofísicas, não deveriam procurar regularidades ou “leis”, nem procurar o conhecimento que ousasse dominar o ambiente. Sua atenção se volta para o único e para a ação livremente escolhida - a ação humana- portanto, só pode ser compreendida “de dentro”, em termos de intenções e crenças.
Para Dilthey, a Verstehen possibilita acessar as conexões mais íntimas do ser no mundo, o que distancia as humanidades das ciências naturais. Nesse sentido, a investigação no âmbito das ciências sociais não está interessada na busca das regularidades que são comuns nos fenômenos naturais, mas por individualidades, olhando culturas que são singulares e épocas que são definidas por sujeitos que as configuram, cada qual ao seu modo. Ele estava convicto de que a empatia constitui um dos elementos da interpretação, de modo que a Verstehen comporta em si “algo de irracional”.

Já em Norbert Elias, a preocupação consiste no estudo global dos seres humanos e não somente os aspectos particulares de suas vidas, como idéias, valores e normas e modos de produção ou instintos e sentimentos e a sua sublimação (GOUDSBLOM, apud DUNNING, 1992). Dessa forma, em sua perspectiva metodológica, Elias priorizava a síntese em relação à análise em busca de um esforço para evitar a compartimentalização das pessoas e das sociedades humanas, reduzindo--as às categorias do “econômico”, “político” e “social”. E diz:
(...)[é] - como se o “econômico” e o “político não fizessem parte, de algum modo, da “sociedade” - ou “biológico”, “psicológico” e “sociológico” - como se as pessoas pudessem existir sem corpos, como se os seus “espíritos” fossem de alguma maneira fenômenos não físicos ou biológicos, ou como se “as sociedades” pudessem existir, de certa forma independentemente e separadas do homem e da mulher individuais que as constituem( DUNNING, 1992, p. 21).
Dilthey inaugura e Elias parece corroborar as três características das Geisteswissenschaften: 1.a identificação do sujeito e do objeto (todos os dois pertencem ao universo cultural e histórico) ; 2. a unidade inseparável dos julgamentos de fato e valor; 3. a necessidade de compreender a significação vivenciada dos fatos sociais.
Enfim, sem querer dar terminalidade e temática do método da sociologia ou das ciências humanas o qual, deveras, é muito complexo e amplo, Dunning (1992) enfatiza que, para Elias, o conjunto único de propriedades emergentes da integração natural de nível humano-social, caracteriza-se por regularidades próprias que não podem ser explicadas de forma reducionista, em termos de métodos, conceitos e modelos que derivam do estudo de fenômenos dos níveis inorgânico e orgânico.
REFERÊNCIAS
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RINGER, Fritz. A metodologia de Max Weber: unificação das ciências culturais e sociais. São Paulo: Edusp, 2004.
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