domingo, 2 de agosto de 2015

Koselleck



Façamos aqui uma referência a mais a um conceito de tempo “histo­ricamente imanente” derivado do mundo natural: trata-se da metáfora anatômica.8 O Direito Natural se apropriou dela e a desenvolveu, na épo­ca do barroco, como alegoria da societas perfecta. Comuns desde a Anti­güidade, as comparações entre as Constituições e o corpo humano, suas funções e suas doenças produzem determinadas constantes de cunho natural, pelas quais se podem medir distanciamento ou aproximação. Trata-se de constantes naturais que, por seu turno, produzem determi­nações temporais não deriváveis de uma cronologia exclusivamente na­tural, isto é, biológica ou astronômica. No entanto, a dinâmica histórica só pode ser reconhecida como tal porque sua interpretação continuou ligada a categorias oriundas da natureza. Permanece sem resposta a ques­tão sobre a possibilidade de a “história absoluta” ser capaz de escapar a essa interpretação quase obrigatória, cuja predominância se estende des­de a Antigüidade até as doutrinas do Direito Natural do século XVIII. Pressupõe-se que não escape a esse entendimento, pois os condiciona­mentos naturais, encontrados em todas as histórias — mais aqui, menos acolá — não podem ser, por seu turno, inteiramente historicizados.


Os gregos, decerto, podiam lembrar as peculiaridades que possuíam em comum e que faltavam aos estrangeiros: a criação da polis como uma organização dos cidadãos — segundo eles — diferente da monarquia dos orientais, a educação do corpo e do espírito, a língua e a arte, os orácu­los e os cultos festivos, nos quais se reunia toda a variedade dos helenos, mas de que os bárbaros estavam excluídos. Existiam, assim, certas áreas que pareciam reforçar o significado positivo dos helenos como cidadãos educados, cultos e livres. A “barbaridade” com que os helenos de fato se tratavam a si próprios, até que ponto o julgamento que faziam de si mes­mos correspondia ou não à verdade objetiva, e até que ponto não passa­va de piedoso desejo, tudo isso foi descrito com moderação e simpatia por Jacob Burckhardt.6


Na determinação dos adversários seculares, Gregório VII foi mais lon­ge, ao desdobrar a pretensão de exclusividade tacitamente presente no par de conceitos “homem cristão-homem secular”. Em 1081 Gregório usou contra Henrique IV a doutrina dos dois corpos, não apenas para esclarecimento mútuo, mas também antiteticamente. E mais: levou adiante a antítese, até a supressão da posição contrária. Disse que seria mais conveniente falar de bons reis como cristãos, em vez de atribuir esse nome a maus soberanos.77 Os primeiros, os cristãos de porte real, gover­nam a si próprios procurando a glória de Deus. Os últimos, ao contrá­rio, andam em busca do próprio prazer, inimigos de si mesmos e tiranos dos demais. Os primeiros pertencem a Cristo, os últimos ao demônio. Hi veri regis Christi, illi vero diaboli corpus sunt [Estes são o corpo do ver­dadeiro rei, Cristo, mas aqueles são o corpo do diabo].



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